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Árvore da Memória: A Moussolu Senny Camará

Na mítica Mbour, a maior cidade pesqueira do Senegal, estivemos aos pés de uma Baobá ouvindo as estórias de Senny Camará - uma Moussolu (Mulher Forte) … 

Árvore da Memória: A Moussolu Senny Camará

Eu me chamo Senny Camará. Eu nasci em Dakar mas cresci num pequeno povoado com minha avó. 

Em casa, somos 8 filhos mas sou a única que toca música. 

E amo a música! Eu toco a música tradicional mandengue. Eu não sei o que me fez me apaixonar pela Kora, mas amo este instrumento que vem da Casamance, da Gambia, da Guiné e do Mali!

Já faz mais de dez anos que estou aprendendo a tocar a Kora.

No início eu tinha uma Kora tradicional, mas quando fui morar na Europa não era fácil afinar a Kora para tocar com outros músicos e instrumentos, então eu modifiquei a Kora e lhe transformei numa Kora moderna, pela facilidade de me permitir trabalhar. 

Eu moro na França mas todos os anos eu venho ao Senegal, porque realmente preciso disto! 

Quando me mudei do Senegal, no começo não foi nada fácil. Era a primeira vez que saía da Áfrika e realmente percebia muita diferença entre aqui e lá. Eu não consegui me adaptar muito bem no começo.

Mas foi a música que fez toda a diferença e me ajudou muito a conseguir viver lá. Quando cheguei pensei que nunca conseguiria! Mas aos poucos fui mudando de ideia … Sou uma pessoa que gosta de mudanças, de viver transformações, amo escutar as pessoas, amo partilhar, amo a troca, o intercâmbio, então a música me ajudou muito… 


Mo: Aqui no Senegal existem muitas mulheres musicistas?

Tem muitas mulheres musicistas, mas poucas tocam a música tradicional, a Kora. Não sei porquê … 

Antes se dizia que a Kora era um instrumento que deveria ser tocado apenas pelos homens. 

É um instrumento bem místico … 


Árvore da Memória: A Moussolu Senny Camará
                            
Quando comecei a aprender a tocar Kora, meu mestre me dizia para tomar cuidado com este instrumento, porque é um instrumento sagrado. Então, é necessário estar atento e ter muito cuidado por este instrumento … 

Não foi fácil começar a tocar Kora. Quando comecei, apenas um amigo de Casamance me incentivou. Ele foi a primeira pessoa que ouvi me dizer "Bravo! Uma mulher que toca a Kora!" 

As demais pessoas não me incentivam, apenas me desencorajavam, diziam que não era um instrumento para ser tocado por mulheres. 

Mas já levo dez anos aprendendo a Kora e vou continuar aprendendo até … 

Mo: Senny, no mundo mandengue uma pessoa só pode tocar um instrumento se vem de uma família que possui tradição daquele instrumento?

Antes era bem assim … Eu não sou Griô … normalmente seria um griô que deveria tocar por mim… mas isso foi há tempos atrás … 

Hoje qualquer pessoa pode tocar a Kora, o violão …

Eu sou uma pessoa livre e ninguém deve me dizer o que tenho que fazer … 

Antes eu tocava a Kora sozinha, ninguém sabia que eu tocava, nem mesmo as pessoas da minha própria família… Até que comecei a tocar fora de minha casa, comecei a fazer algumas apresentações com minha Kora … 

Tocar a Kora me faz muito bem! Para mim é como uma terapia! Gostaria muito de poder partilhar essa música com outras pessoas ao redor do mundo … 


Mo: Além de interpretar as canções tradicionais, você também é compositora, certo? Como é para ti estes processos de criação?

Para aprender a Kora, deve-se aprender a tocar as bases das canções tradicionais …  Uma base como Kelefabá tem tudo dentro dela! Se você aprender a tocar Kelefabá, a partir dela você pode  criar suas próprias composições. Então é muito importante respeitar e aprender as bases tradicionais! Porque uma vez que você aprende o Kelefabá, por exemplo, você já tem tudo dentro! Kelefabá é como o trote de um cavalo que passeia, que galopa! Foi a primeira música que eu aprendi na Kora. É uma música longa … se você toca Kelefabá você pode tocar tudo na Kora!


Mo: Então você faz suas criações com a Kora?

Sim! Eu comecei a criar minhas próprias músicas com a Kora! Eu sou uma eterna aprendiz, porque a cada dia eu aprendo algo novo! Então, eu comecei a buscar criar novas coisas diferentes da música tradicional, mas a partir da música tradicional!


Mo: Quando você saiu do Senegal e começa a tocar e mostrar sua arte e a tradição da sua cultura em outros países,  como é que despertou essa consciência de ser uma mensageira, uma representante de sua cultura tradicional?

É algo muito forte para mim porque eu começo a tocar a Kora e a maioria das pessoas lá fora não conhecem o instrumento e chegam até mim para perguntar: "Mas que instrumento é este? É tão diferente…" 

A música para mim é uma troca, onde se dá e se recebe! Eu aprendo muito com estas trocas. Eu estou num Conservatório de Música na França, onde aprendo a música celta. E a harpa celta se parece muito com a harpa afrikana, a Kora! Eu adoro estas conexões … poder fusionar a música celta com a música tradicional mandinga … Eu estou muito aberta para estas trocas e fusões!

Amo partilhar, mas sobretudo eu amo escutar! Amo escutar! Eu não sou de falar muito, mas eu amo escutar! Assim eu aprendo! Para mim, eu não sei falar muito bem, talvez eu fale, mas através do gesto, do toque, dos olhos, do sorriso … mas não gosto muito de falar … Eu falo pouco! Eu escuto bem mais do que eu falo!


Mo: Debaixo da árvore da memória no Terreiro de Griôs, queríamos ouvir uma memória especial da sua relação com a música durante a sua infância …

Da minha infância eu tenho histórias magníficas que ficaram guardadas na memória… Cresci num pequeno povoado e a cada fim de semana a gente se juntava entre várias crianças para criar nossos instrumentos, tocar, conhecer e brincar com os ritmos naturalmente … e o que guardo na lembrança foi que eu aprendi a cantar lá! Aprendi a bater o tambor, a tocar com as baquetas, canções tradicionais, seher … mesmo o Ndop eu aprendi a cantar o Ndop, porque frequentava os rituais … mesmo que minha avó me dizia: "Você não deve cantar Ndop, você não foi iniciada!"

Quando era criança assisti a muitos rituais de Ndop, porque parte da minha família fazia o Ndop. 

Tinha um parente de minha mãe que conhecia muitas músicas e aprendi a cantar estas canções. Quando ele cantava o Ndop, se tivesse uma pessoa doente, essa pessoa caía no chão. E ele continuava cantando para curar a pessoa doente.

São lembranças como estas que ficaram comigo … e comecei a trazer tudo isso para minha música. Mesmo a música espiritual proibida de ser cantada em ambientes fora dos rituais … algo dela eu trouxe para minhas composições … porque é mais forte do que eu!


Mo: E você que mensagem mandaria para o mundo?

A minha mensagem é a Paz! Viver na união, viver a partilha, escutar o outro, aprender a escutar o outro, porque aprendemos muito com o outro.

Em Wolof dizemos "Nit Nitei Garaban", que quer dizer "O Homem é o medicamento do Homem". O Ser Humano precisa do outro Ser Humano para viver! Então devemos aprender a viver Juntos, unidos na simplicidade!


á r v o r e   d a   m e m ó ria


Mbour, Senegal


Janeiro de 2019 

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