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Leket: Cantos da Cabaça

"Leket: Os Cantos da Cabaça" trata-se de uma compilação de contos fantásticos escritos e ilustrados pela autora Mo Maie de 2016 a 2020. 



Iroko, o Coração do Vazio

Nas caudalosas águas do Tempo lavo as pedrinhas de minha alma.

Quantas sementes já fui?

Em que terra devo mergulhar para gerar fortes raízes?

-       Calma, Iroko. A Calma consegue tudo.

Foi assim que entendi que dentro das sementes escondem-se todas as pedras da memória do mundo. Tudo o que já sentimos e tocamos. Tudo o que ouvimos - Tudo está adormecido dentro de nossas sementes.

Ouço o canto dos Bambus enquanto faz-se e desfaz-se o Tempo em mim, como quem tece uma rede de sonho e encantamento.

Foi assim que, numa tarde vento, Tempo VEIO e costurou em meu peito um labirinto de clorofila, terra e seda, todinho enfeitado de flores de Iroko.

Quando me sentia estranha, gostava de passear pelos labirintos de meu peito. Sentava, tirava as pedrinhas da alma de dentro de uma trouxinha e começava a lavá-las ...

Ficava me alembrando do começo do mundo, quando nasceu Iroko, a primeira árvore, mãe da sabedoria e da magia. Nasceu e ganhou de cada ser da floresta uma pedra da memória, todos os segredos sobre o Bem e o Mal - que se agitavam dentro de seu tronco, especialmente nas noites de lua, quando se sentia em suas grossas cascas um reboliço vindo da vibração das vozes de todas as árvores do mundo.

Nesses momentos de revelação silenciosa, sentia meu corpo se retorcendo que nem os galhos de um Baobá.­­ Como se a vida fosse uma velha história que não se terminava, mas que se enroscava, enroscava e ia se enroscando.

Sentia meu sangue transformar-se em Seiva. Saborosa como mel da palma do dendê. Aí vinha uma estranha lembrança de um sentido. Uma memória do corpo que apenas sente e quer sobreviver. Um Instinto Primordial.

Quem sempre vinha pra me ensinar eram as três avós. A Jaqueira. A Gameleira. A Jurema. Vinham e aí depois voltavam pra onde viviam antes. Antes do começo do mundo. E eu continuava a aprender a andar. Por debaixo das folhas, pelo barro, pela areia, pela terra.

E bem dentro de mim ouvia um gemido que sussurrava:

“… por essas portas devo passar para libertar-me da escravidão do esquecimento … por essas portas devo passar para libertar-me da escravidão do esquecimento … por essas portas devo passar para libertar-me da escravidão do esquecimento …”

Respirava.

-       Calma, Iroko. A Calma consegue tudo.

O ar me trazia de volta ao outro lado do Mangue. Seus galhos se abriam e do meio da lama, brotavam de suas raízes as pedras da memória de sete gerações de um Tempo que já se foi.

AAAAAAAhhhh!!!!! Cada pedrinha era uma memória diferente. Tinha memória de Menina, de Pescador, de Ferreiro. De Pai, de Filho, de Costureira. De gente triste, feliz, doce e amarga. Tinha até memória de sentimentos, memória de amores!

Eu tinha que fechar os olhos para conseguir ver melhor o que me diziam todas aquelas coisas. Ficar bem encolhidinha ali. Esvaziar a mente.

Aquelas portas da memória eram Pedras do Lembramento. Lembranças de tudo o que não poderia nunca mais esquecer porque Só me lembrando poderia ajudar outras pessoas a se lembrarem também.

Senti na saliva a presença das árvores daquele jardim. Cada árvore me revelava o sabor das fibras de seus frutos – e dentro de suas sementes, os segredos das pedras da memória.

-       Calma, Iroko. O amor habita no mais puro vazio do coração.

Não tema o Nada. Até mesmo uma semente é uma árvore transparente.

Mesmo que os olhos da razão digam outra coisa.

Mo Maiê
Bom Despacho de Itaparica, Bahia
23 de abril de 2016

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Nanjila, A Mãe dos Caminhos

Foi Nanjila, a Mãe dos Caminhos, quem abriu nossos Passos no fim da Tarde, permitindo-nos Estradar Savana Sertaneja, onde Brotos de Água se Secaram, abrindo Valas e Arrugas Profundas no Chão Empoeirado.

- “Plante-se em Mim” ... Nanjila Assobiava baixinho, Contemplando o Nascer do Sol no Horizonte entre Mandacarus e Cajuêros ...

O Sol se Punha no Horizonte, abrindo Mundo Enigma Noite …

“Nanjila, Nanjila" - Yola pensava consigo mesma, contemplando Rebanhos de Estrelas no Firmamento.

“Como foi que a Mãe dos Passos me preparou esta Cilada?”

Ao seu redor, Só o Silêncio do Calor, Mas Yola parecia Ouvir um Murmuro Antes de Cair Adormecida nas Dunas Brancas Que Refletiam o Luar ... "Plante.se em Mim..." parecia ouvir ...
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Sim... Bem sabemos que foi Assim... 
Depois de Perder-se de seu Filho - que Foi Lutar a Guerra - Por Tempos Yola preferiu Manter-Se Viva, Ainda que Morta, trabalhando em Sua Roça e Trançando Velhos Balaios Munzuás em sua Massapê, na Solidão Floresta, Trançando Vida Morte Vida, entre Palhas Nascentes D’água ...
Era bem cedinho que As Mulheres da Vila vinham até a Rio para Lavar Roupa ou encher Talha e Cabaça de Água pros Afazeres de Casa...
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Toda Vez que Vinha até o Rio, Yola se lembrava de sua Velha Avó, que lhe falava das Mulheres Malunga... Feiticeiras dotadas de Poderes Sobrenaturais de Encantar as Águas ...
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De Longe se Ouvia o Canto das Mulheres No Rio … 
Enquanto algumas Jogavam Água de um lado pro outro Lavando Roupa, Outras trabalhavam na Beira D’água, Pilando Farinha, Alho, Dendê, Feijão …
O Tempo Escorria entre o toque seco do Pilão, que marcava a Cadência da Dança das Cabaças nas Mãos daquelas Mulheres, Sagrada Alkimia… 
...
Yola agarrou uma daquelas grandes Cabaças e, de Cócoras, pôs.se a limpá-la.
No reflexo da Contraluz do Sol do Meio Dia, a Mulher Viu dentro daquele Ombenji uma Velha Floresta Tropical.
Sua terra dava Dendê, Coqueiro, Beribeira … E No meio das Grandes Árvores, Cabaças Serpentes brotavam com suas Raízes ao Ar, Rastejando pela Terra Quente, se Reproduzindo com Força e Alegria.
Dotadas de formas Curvilinhas, tais Seres se espalhavam pelo chão da Velha Floresta, Guardando dentro de si Os 999 Nomes de Deus, os Segredos da Imortalidade e do Amor …
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Nanjila, a Mãe dos Caminhos, Lhe olhava de longe, entre as Carcaças de Boi em Esqueleto Abandonadas pela Estrada Afora ... 
Mas agora Yola não estava mais ali, naquela Terra Seca ...
Aquele Ombenji - Cabaça - lhe Lembrou Do entardecer em que sua Vó se foi, deixando nas suas Mãos Cantos de Pássaros e um Vazio que parecia que Nunca se Encheria de Novo ...
Antes de se embrenhar pela Mata adentro, Sua Avó Lhe disse ... “Lembre-se, Yola ... N’nwa mosi tutu … Uma Só Boca é como Cabaça Vazia … Você sozinha por aí … Sua voz sozinha é Nada no meio desta Terra Seca…”

- Mas Eu Não Ando Só! – Yola gemia contendo o choro ... – Não Estou Sozinha, Vovó !!!!!!

- Yola! – gritou a Avó de Dentro Da Cabaça - Acorda, Menina! Vá Se Banhar, Brincar com as Águas, Mulher! Vá Se Lavar!

Yola Começou a se tocar, passando pela Pele Preta a Mão Molhada da Água do Antigo Açude - Se arranhando toda com a Secura da Terra Areiosa.

- Isso, Yola ... Se Banhe com Calma ... Aproveita essa Água pra se Purificar, Minha Filha! Isso, Yola! Eu tô Aqui Com Você ...

(E entre cactos mandacarus, Yola se banhava com Água Inventada ... Mas Tão Sério era o Ritual que não apenas esta Mulher, mas toda a Terra ao seu Arredor Se Purificava e parecia ouriçar-se com o toque molhado daquela Água Benta ...)

- Yola, deixe pra trás as Águas que Correram, Não traga em Sua Cabaça Nada Além do Que Você Precisa Pra Manter-se Viva!
E Enquanto a Mulher se Limpava com akele Pó da Areia Quente, Cristalinas Gotas de Água começaram a se formar Vaporosas dentro das Pequenas Cabaças espalhadas perto do Rio … Eram as Mulheres Malunga, que, a Cada Tarde enquanto o Sol Se Punha, Se relembravam Akwa Ambundo e perpetuavam Antigos Rituais Secretos, trazidos pelas Avós de Suas Avós.
Então, Elas se Aproximavam do que restou do Velho Açude Verde e Evocavam bem baixinho os poderes das Raízes de Suas Aguas, no alinhamento desta Alkimia.
Era tamanha a Força destes Momentos que Akelas Mulheres se Lembravam que Era também momento de fazer Sua Própria Transmutação. Os Portais Entre os Mundos Se Abriam e os Pergaminhos do Tempo Se Enrolavam e Desenrolavam em Todas as Direções …
Ao redor de Yola e Sua Cabaça, Ombenji, akelas Mulheres Malunga foram fazendo um Círculo, entre as Flores de Mandacarus e a Terra em Transe …
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- Vovóoooooooooooo!!!!!!! - Parecia Ver sua Avó Mais uma Vez Encarnada na Sua Frente. Lhe deu um xêro, Sentiu sua pele macia e não aguentou mais Segurar o Choro …Transbordou …
- Yola, minha filha… Certas misturas não se dão, Yola! - A avó lhe dizia, enquanto lhe observava banhar-se - Manteiga não dá certo com Mel. Mel não dá certo com Manteiga. Como Duas Vidas Que Andam Juntas Sem Nunca se Cruzarem …
As Mulheres Malunga se sentaram ao redor da Velha Avó para poder escutar Melhor o que ela Sussurrava entre as Flores de Mandacarus …
 - Se Libere Da agonia de Não Poder Misturar as Coisas Conforme se Quer … Mel é Mel. Manteiga é Manteiga! Para Misturar as Coisas, tem que se Respeitar o Sentido Natural de Equilibrio Alkimico das Coisas … De Dentro e de Fora.
Yola Seguia Seu Banho Seco, entre o choro calado de Alegria de Poder Ouvir Sua vó tão de pertinho ...
- Ocupa de toda tua força e de seu poder quente, Yola! Tem Pessoas que Vivem Vidas Paralelas … Como dois Rios … Vidas que seguem Juntas, mesmo que Separadas … Vidas que seguem Juntas, até que se Cruzam ou se Descruzam … Assim como tem Vidas que seguem Juntas Sem se Juntar, Assim é a Manteiga e o Mel. Em Cabaça de Manteiga não se faz Mel!
(Lhe sussurrou a Avó desaparecendo entre o pó do Entardecer …)
- Vovóoooooooooooo!!!!!!!
Yola ainda pôde gritar em choro, antes de cair naquele chão seco, arrodeada pelas Mulheres que, Juntas, Cantaram Baixinho Pro Chão e pro Alto:

- Do Vazio do Fogo … do Fogo da Água, da Água da Terra, da Terra do Ar, do Éter do Ar  … Se Plante em Nós Pra Florescermos Juntas!
Foi quando o Céu Escureceu, Germinando-se em Brotes de Água que se espalhou em Chuva pelo Seco Bioma.
- Yola! Banhe-se, Minha Filha! Se envolva com as Águas! Se Purifique! Viver é se espantar num Sertão em Aguacêro! É Milagre frondoso! É Água Fresca que Apazigua o Calor da Terra!

Yola sorria, fazendo a Mão em Concha Para Aparar a Água que Escorria dos Céus

...  “Eu Não Ando Só!”
As longas Mulheres Malunga, ainda sentadas na Beira Rio, calmamente Enrolavam suas Esteiras se Preparando para Partir (Alkimistas) equilibrando seus Benguês e Encantarias entre as Cabaças e as Cabeças.
Yola limpou seu choro com Água da Chuva, se lavou, Dançou Como Nunca Antes e Quando virou-se para Agradecer, as Mulheres Malunga já tinham desaparecido no meio do Horizonte Molhado.
E Foram Sete Dias de água na Savana Sertaneja.
Então Nanjila, a Mãe dos Caminhos, abriu nossos passos entre as cores do fim de tarde de uma Savana Sertaneja, permitindo-nos Estradar por onde Brotos de Água caíram dos Céus, abrindo Valas profundas na Terra, que se refizeram Rios ...

Mo Maiê, 
Barra Grande de Itaparica, Bahia
Agosto de 2019
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Conto do Vento



Fela, O Conto do Vento

A Noite Acabava De Parir O Dia. 
E Tudo Se Repetiria Mais Uma Vez, 
No Amanhecer.

Uma mulher deu um longo grito de prazer e dor, 
deixando escapar de suas mãos uma revoada de pássaros ...  

- Nasceu Sol Vivo … gemeu a Mãe - Nasceu Minino  ...  

Era outono e na Maloca de chão batido, 
Caiu guerreiro nos braços da Tia. 
. 
.
(vai pra guerra  - sussurrou)

Tia foi, pegou, cortou o cordão e tomou a placenta. 
Enterrou tudo ali mesmo, debaixo do chão. 

Como ventava muito, ele ganhou o nome Fela. 
Como quem surge da Ventania. 

- Da vida, meu filho? Queremos Boi … 
A Mãe Ia falando e sentindo o Vento Arrodear sua saia.

- Pedimos Chuva pros bois Sobreviver … 
... (E o Vento Vinha) …. 
     Pedimos Chuva Pra molhar a Terra …  
... (E o Vento Ia) ... 
     Acendemos o Fogo 
     Tocamos e Dançamos 
... (para trazer Alegria pro Tempo ) ...
.
.
E Quando a Noite vem pra Parir O Dia, 
Tudo Se Repete Mais Uma Vez 

No Amanhecer 
Da vida

O que queremos, 
meu filho, 
são Bois ...



Filho? 
.
.
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.
Desde novo que ele se preocupava 
Com seu pai e sua Mãe 
- quem lhe fez Nascer.
Mas quando completou certa idade, 
jogou os pés no mundo em busca de inspiração.
aprendendo a acompanhar os Passos dos Dias,
a caminhar Na Fecunda Solidão.

De seu Povo 
levava o Amor Pela Chuva e Pelos Bois. 
No Fundo Ele Sentia que Sempre Seria Assim 
- Um homem Levando Bois para Pastar ... 
Aboiando ... Pastor de Bois e de Ventos ...

Certa feita, 
chegou a um descampado e decidiu fazer ali sua Morada. 
Era um lugar verde, banhado pelas águas de um Rio.

Se Lembrou de que Foram os Ventos Dela 
que Lhe trouxeram até Ele
... Foram Os ventos Dela ... 


(Mas isso foi lá atrás. 
Agora era 
Tempo de Voltar à Terra. 
Tempo de Voltar aos Bois ...
Tempo de Aprender com as Águas ... 
Tempo de Desapegar-se … )

.
.
Toda vez que Ele se olhava nas Águas do Rio, 
via um Espelho Cheio de Gente Dentro. 

E foi assim que Ela Chegou 
- saltando do seu próprio Reflexo nas águas daquele Rio. 

.
.
Ela.
.
.
Chegou
Cantando estórias em Língua Antiga.
Trouxe uma Sacola Cheia de Vento
E Depois de um Tempo 

Desapareceu
Em Brisa. 
.
.
.
Deixou a casa revirada, 
Ele numa encruzilhada, 
Esperando o barco 
que nunca chegava ...

Vish Maria

Às vezes ele se perguntava: 
Como podia ser que um e outro tenham se conhecido no mesmo instante, 
se olhando de um lado e de outro de um mesmo espelho … 
( que nada mais era do que as Águas de um Rio? )

Nenhum deles entendeu bem. 
Mas Por dias e noites, 
- Ela de lá e Ele de cá - 
Os dois se viram e se miraram ... 
Se tornaram amigos 
Mesmo sem nunca ter se visto 
em Matéria. 

.
.
- Os búzios te dizem para não se envolver. 

- Mas ... pergunta se isso pode mudar ?

- Qual o nome Dela mesmo?

BUZIOS 

- Ah…. sim … Pode Mudar. Ela está Aberta para o Seu Amor.
  Mas Não se Entregue ... demais

(...)

- Vocês Vão Se Conhecer Perto de Um Rio ou De Um Mar...


.
.
.
Um dia Ele acordou cedo .  
Ao seu lado escorria mel de abelha pelo chão afora . 
Resolveu então perguntar para Ela, 
mirando seu Reflexo nas Águas do Rio:  

- Você vive no Mar ou Na Mata? 

- No Mar.

- Melhor Assim, porque na Mata seria Perigoso.
(Caçador toca para Enfeitiçar a Caça Dentro da Mata)


.
E Foi Assim que eles Começaram a se Querer.

- Te quero.

- Te amo.

- Você Nem Me Conhece

.

.
Era Tempo de Ventanias ....
Na cabeça Dele, 
Parecia que uma Força Maior os Conectava. 
Como uma mulher lavando linha num lago limpo. 
Céu Laranja Rosa Amarelado Azuis. 
.
.
.
você está bem?
- daqui a pouco te falo. fui roubada. 

me Levaram os Bois ...
.
.
Já Era Madrugada. 

.
A cada noite Ela lhe levava 
a desconhecidos Infra.Mundos. 
Ele tinha vontade de lhe dar um xêro, 
de gritar este amor.
sentia que precisava gritar



- amo, amo. amo. então ELE sussurrou. 
- falou 3 vezes, é feitiço! ELA sorriu. 
.
.
- não, ELE Respondeu. 
  Não estou fazendo feitiço para você ... 
  Deixo Livre este Amor.
.
.
.
AO
.
Tempo.

.
(- Morre … 
Ela se contorcia no chão, 
invocando os poderes de falar com os espíritos, 
que tinha herdado das linhagens 
de suas ancestrais.)

.
.
.
A Cada Noite Que Passava, 
Aquele Homem ia compreendendo que o Encontro entre eles 
era coisa tramada pelos Espíritos que protegiam a Ela e a Ele. 
Ele sonhava com portas de memórias, estados de queda, 
volta, fim, renascimento, ruínas abandonadas...

Até que um Dia, Ele Decidiu 
que tudo aquilo só podia estar Acontecendo 
no Mundo dos Espíritos. 

Se Foi lá (no mundo dos Espíritos) que eles se Conheceram, 
se Encantaram, 
se Cuidaram... 

Se Foi lá que Eles Mergulharam num mundo de Palavras Mágicas 
e Viram Sol Nascer, Crescer, Morrer  
No espelho d'água da beira do Rio ...

O Tempo foi se passando 
O desejo de sentir aquela mulher 
crescia a cada Dia Dentro Dele. 

Decidido, 
Ele pegou uma Canoa, 
atravessou o Rio e Chegou ao Mar. 
A Maré era Alta.
Quando em FIm se Conheceram,
Nem se Olharam no Fundo dos Olhos
e no balanço das águas, 
foram levados para as montanhas 
- Terra de Transmutação e Seca. 

Sentiu que já tinha sonhado com tudo aquilo, 
principio sem fim … 

Ele estava ali, 
mas Ela não lhe via. 

Ela Só olhava 
Pro Seu Próprio Reflexo 
Nas Águas do Rio, 
Aos Pés da Montanha. 

Foi.se o Tempo e
No fim da Noite, finalmente ficaram a sós.
conseguiram se olhar Dentro dos Olhos. 

Como Nunca Antes Nem Nunca mais Depois. 
Apenas naquele momento instante já 
- enquanto tudo aconteceu.  

Se tocaram 
entre
Pele, 
Corpo, 
Saliva. 

Ela se Lembrou de sua Essência de Chuva, 
Mulher Serpente que Corre pelo Céu, 
Derramando Aguacêro. 

Ele Ouviu o Coração Dela
E Seu Corpo Líquido Transbordou
Rios
Lagos 
Marés 
.

Ela Gozou e 
seu Gozo era Bonito

Depois que se amaram, 
as mesmas Águas levaram 
Cada um de Volta pro seu Lugar.  

De Cócoras, 
Ele Viu Aquele Amor Morrer

Bem Na Beira do Rio.


Ele de cá
Ela de lá

de lá ...

        ela se foi
.

E Ele, Ainda de Cócoras, 
Começou a bebericar da Água do Rio, 
como se de repente tivesse sido tomado 
por uma Sede Incontrolável. 

Bebeu, 
chupou, 
derramou 
toda a Água do Rio, 
Até saciar sua sede ...

E Quando o Rio já era quase Terra Seca, 
Ele deu um longo grito de dor, 
deixando escapar de suas mãos 
Uma Revoada de Pássaros 

Finalmente Conseguiu Estancar 
O feixe de desamparo 
e placenta 
que acompanhava o rastro de seus passos …

.
. Parauára . 
  Renascido do Rio

.
Nas Últimas gotas d'Água, 
ainda conseguiu ver o reflexo dEla, 
que ia de Costas, 
seguindo Seu Caminho ...


… Ela sabia deixar Morrer ... 



E foi Assim que Tudo aconteceu, 
como num Dia Qualquer, 
em que uma Mulher Leva seus Bois para Pastar.

Vem o Ontem … e se vai o Amanhã … num Ciclo sem Fim ... 

.
.
Que os bois Nasçam, 
que minha Aldeia tenha boas Danças, 
que a sua Aldeia Também.

.
E quando voltar a amanhecer, 

tudo se repetirá mais uma vez ... 


Mo Maiê
Barra Grande De Itaparica, Bahia
Dezembro de 2017

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