MAAFA TEXTO ESCRITO POR ANDRÉ BARATA A cultura portuguesa ostenta, ainda hoje, escassíssima consciência de um facto histórico indisputável: Portugal escravizou ao longo de três séculos um número de pessoas bem superior ao da sua população à data da abolição da escravatura e foi responsável por quase metade de toda a escravização africana ao longo do período colonial. Milhões, pelo menos três — talvez cinco ou mesmo seis —, são a nossa conta no multissecular facto a que a antropóloga africanista Marimba Ani chamou em Swuali ‘Maafa’: o grande desastre. Depois, há este outro facto: a desmemorização que o nosso antigo regime fomentou e que vai passando incólume por revoluções, descolonizações, pelas décadas de democracia para além das décadas de autoritarismo. A culpa não é dos historiadores. Logo em 1963, em “Relações Raciais no Império Colonial Português”, Charles Boxer desmistificou essa ideia de cordialidade multirracial alimentada por Salazar. Mas história e memória não se
::: Revista eletrônica Oralidade, Arte, Cosmopercepções, Educação e Africanidades