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retalhos, impressões do oriente médio e ásia

Prefácio (em castellano)
En este diario unos ojos sorprendidos escriben sobre mundos lejanos y cercanos a la vez.

De Barcelona al norte de la India, saliendo desde una gasolinera el día menos pensado y haciendo la ruta de vuelta cuando se acaba el dinero.

Los protagonistas de este diario son los lugareños de las montañas del Pakistán, de los desiertos sirios, de los valles del Himalaya, de la eterna damasco o la bella Peshawar; también de Estambul, Teherán, Ispahan, y de las planicies de Turquía Oriental.

El diario abre las puertas de los hogares y enseña postales cotidianas tan lejanas como reconocibles. Rincones, tertulias, desayunos y cenas; carreteras, mujeres y camiones; mundos particulares y comunes.

(Javier Mestre, o companheiro de viagem)


Prefácio (em português)
 Nesse diário, olhos surpreendidos escrevem sobre mundos tão distantes quanto próximos.

De Barcelona ao norte da Índia, saindo de um posto de gasolina sem ter nada pensado e voltando quando o dinheiro se acaba.

Os protagonistas dessa história são pessoas comuns das montanhas do Paquistão, dos desertos sírios, dos vales do Himalaya, da eterna Damasco ou da bela Peshawar; também de Istambul, Teerã, Esfahan e das planícies da Turquia Oriental.

O diário abre as portas dos lares e mostra cartões postais cotidianos tão estranhos quanto reconhecíveis. Cantos, tertúlias, cafés-da-manhã e jantares; estradas, mulheres e caminhões; mundos particulares e comuns.

(Javier Mestre, o companheiro de viagem)


Sinopse
Um diário de viagem. De bordo. Um emaranhado de emoções e memórias. Uma “tentativa” de sintetizar uma viagem-delírio, surpreendente, inesperada. Digo “tentativa” porque o registro nunca alcança a plenitude do momento, o sentimento sentido, a idéia pensada, ainda mais em se tratando de um registro poético, que não almeja alcançar o real, muito pelo contrário, aliás ...
Um diário de viagens. Idéias costuradas como se fossem trocinhos de panos. Retalhos rotos, porém bonitos, descoloridos e colorados, mofados, mas cheirosos, opacos e brilhantes... E todos juntos, costurados, retalhos que formam uma colcha infinita de lindas e angustiantes contradições. Entre mundos de fora e mundos de dentro. De antes, de agora, de depois...
Do aconchego da conhecida cultura ocidental ao complexo mundo do oriente. Pelos caminhos de terra, observar as nuances cromáticas desses mundos que se tocam, se chocam, se roçam, se amam e se destroem. Europa e Ásia. Impérios do agora e do antes.
Visitar os mistérios do tempo. O que se conserva e o que se deteriora. O que evolui e o que se estanca. O que se retrai e o que expande. Visitar os mistérios dos gêneros. O feminino e o masculino. O lunar e o solar. Direitos e obrigações. A insurreição e a submissão. O novo e o secular. Visitar os mistérios da fé. O humano e o divino. O provável e o improvável. A terra e os céus. Fanatismo x máquina. O transe e a ciência.
Ásia. Um mundo tão denso e paradoxal que muitas vezes pode chegar a ser impenetrável. Abominável. Mas que nunca deixa de exercer fascínio e sedução, por ser tão exótico.
Ásia. O outro lado do espelho. E no final de tudo, o mesmo do mesmo.


::: redemoinhos)
O que haverá de humano em um tijolo? E na eletricidade?
Pelo caminho, só o céu não tem cor de barro. E o véu da mulher que puxa o burro. 

Três chaminés de fábricas de tijolos. Sete pequenos redemoinhos de vento e de pó. O burro, a mulher e as pilhas de tijolos de barro. Um menino deitado em um carrinho de mão. 

(Como nasce um furacão?) 

Uma mão que planta árvores no deserto. 

Tudo aqui é de uma cor só. Menos o trem que passa. 
É deserto, mas já não faz tanto calor nessa época do ano. 
Antes de qualquer coisa: as ruínas da Babilônia estão soterradas em algum canto do Iraque. 
Mais de 60 chaminés e alguns pequenos protótipos de furacões. 
Qualquer coisa de delírio tem essa imagem. 
Qualquer coisa de abandono. 
Versos de barro. Como se cada tijolo fosse uma palavra de uma língua estrangeira. 
E um cemitério com lápides que são pedaços de pedras metidos na terra. A mão que fez tanto tijolo na vida e que agora descansa anônima e em paz num cemitério de barro. 
O trem apita sem parar. Balochistan. Pakistão. É a estação de Queta...


::: caminhos)

Escrevo porque estou aqui e porque faz calor. Tenho os pés cravados na terra, terra quente, infértil - terra arenosa. É aqui que estou e só por isso que escrevo, pra tentar enganar o calor e a saudade.
Barcelona. Calle de la Argenteria. Bruxas. Profetas. Andarilhos enlouquecidos. Vagabundos. Um cachorro de três patas.
A cidade de fora pra dentro entrando obscena em toda a extensão da espinha dorsal e eu tentando atravessar a rua. Espero abrir o semáforo, que tá vermelho. Sinto o perfume bom da menina que passa por mim. Pelo Passeio do Borne, uma mulher paquistanesa vende cerveja com medo da polícia enquanto seu marido conserva suas banhas estáticas num banco qualquer desse passeio que em outros tempos foi testemunha silenciosa de cavalgadas medievais.
Do outro lado da igreja gótica me conta um anjo caído que muitos anarquistas foram assassinados aqui mesmo, nessas escadarias. Por aqui passa o caminho de Santiago, caminho que começa nos morros de Santa Tereza no Rio de Janeiro, atravessa a porta do bar de um espanhol galego e chega à Espanha.
Calle de la Argenteria. Por aqui passou Dom Quixote... Será que foi aqui que ele caiu no ridículo, que foi humilhado? Será que foi aqui que riram da cara dele?
Um negro senegalês passa correndo por uma estreita rua perdida no labirinto do bairro, correndo da polícia, que tem ordens para apreender o que vendem ilegalmente os vendedores ambulantes. Aqui não tem lugar pra camelô.
Calle de la Argenteria. Por aqui passa o caminho de Santiago de Compostela, tá vendo ali no chão aquela concha pintada de amarelo? É o sinal do caminho.
Por esse caminho quantos caminhos passaram, passarinhos, passarão?
Do lado de lá da rua é onde a cada noite os paquistaneses e africanos estendem seus panos no chão para vender lenços e bolsas de grifes falsificadas. Do lado de cá da rua, estão os artesãos. Vendem bijuterias e são latino americanos, trazem de longe pedras poderosas e cânticos pra Iemanjá, que dizem que nasceu numa montanha da Venezuela.
Um pinheiro roubado do jardim labirinto da cidade.Um pedaço de música, um fio de pano,linha, botão, tesoura. Cortar o trigo e costurar o pão. Com quantos paradigmas se faz um sonho, um sonho de pó de café detergente sofá mesa?
Onde é que começa esse caminho? Quando é que é esse caminho? Cor ou pó? Convite ao caminhar? Ao fugir? Chamado pra navegar nesse rio sem água? Corda bamba estendida entre o lugar onde a gente estava e o pra onde a gente está indo? Caminho é fluxo? Refluxo? Quando foi que começou o caminho? Será que algum dia desses o caminho vai ter fim?

::: chão)
Os pés na estrada. Na beira da estrada. Chão tapete multi-direcional. Dedo no ar pra pedir carona. Posto de gasolina. Pão com queijo.
Motoristas de caminhões e suas histórias de estradas pelo mundo afora, suas manias de homens solitários. Motoristas de caminhão, seus mapas, maços de cigarro e a foto de algum filho colada no vidro da frente.
Da janela de um hotel barato perdido pelo sul croata, um casal de alemães acaba de levanta
É cedo. Acordar depois de uma noite num pequeno posto de segurança de uma fábrica na periferia da vila que faz fronteira com a Bósnia. Uma dessas típicas cidadezinhas do sul croata, com um rio verde e casas construídas às margens do rio. Casas construídas montanhas acima. Montanhas de pedras. Gente com mãos de pedra.
Trajeto bonito pela costa croata até chegar aqui, na fronteira com a Bósnia. Mar Adriático azul, pedregoso e essa estranha sensação de transição entre as muitas Europas, do Oeste e do Leste. A decoração das pizzarias muda de estilo.
Dormir uns dias na casa de um casal de músicos que nos deu carona e nos convidou a passar a noite em sua bonita casa; dormir uns dias pela estrada mesmo.  E chegar aqui de carona num Renault antigo conduzido por um bósnio calado, com quem era possível conversar apenas com gestos e olhares. Homem com cara e mãos de montanhas de pedras, com um olhar azul marcado, jeans e uma tatuagem de marinheiro no braço. Zoran que nos levaria a Sarajevo se no mundo não existissem fronteiras. Se eu não fosse brasileira. Se meu passaporte não tivesse sido negado por um guarda muito nervoso na fronteira bósnica. Se, se, se, se...
Baixo um sol escaldante, palavras gritadas numa língua ininteligível, resultado brusco de tantas guerras, que transformam homens em militares e militares em montanhas de pedras. Parece que por aqui todos têm feridas que ainda não cicatrizaram. E muitas lágrimas secaram e viraram pedras.
Raiva, calor, fome. Agora, voltar à Zagreb, quase no norte total do país, para pegar o visto, mal necessário para passar pela maioria dos países balcânicos.
Seguir caminho com a boca seca e a mochila pesada. É quando do nada aparece o segurança de uma fábrica que oferece seu cubículo para esticarmos os ossos depois de um longo dia de caronas... Quando o bom louco trouxe um pouco da comida que tinha sobrado da festa de casamento no salão de festas ao lado, lá fora chovia...
Pela manhã bem cedo, partir outra vez. Um carro nos deixa em um vilarejo no fim do mundo, onde um casal de alemãs se oferece para levar-nos em seu carro branco. Trabalhadores sociais que falam sobre os tempos em que eram jovens e que viajavam de carona pela Europa. E do fim do mundo a Zagreb, em poucas paradas. Às vezes viajar de carona tem essas coisas, o menos provável sempre está a ponto de acontecer... e acontece.

::: balcão)
Zagreb... Sua decadência. Seu charme. Bondinhos comunistas; estátuas comunistas; jardins comunistas; (e um McDonald´s na esquina da grande praça); vitrines com roupas comunistas de outros tempos; viúvas com olhos lacrimosos vestidas de negro vendendo rosas, bananas, bordados de crochê; lojas underground de música subversiva; garotas vestidas de rosa choque andando de patins de quatro rodas.
Tudo aqui parece te fazer pensar no tempo e em utopias. Os ideais do ontem e a crua realidade do hoje. As novas aberturas, os novos tratados, o capital e o relógio de alguma praça que simplesmente parou às 3 horas de alguma manhã ou tarde ou noite e nunca mais voltou a funcionar...
O prédio suntuoso e sua parede descascada, quase caindo aos pedaços; as marcas das metralhadoras na parede das igrejas - guerras balcânicas; as igrejas e uma sala de encontros secretos do partido vermelho; o menino louro dos olhos azuis e sua cara suja, pedindo uma moeda pelas mesas de bar e fumando guimba de cigarro escondido do outro lado da esquina...
Manhã seguinte, de uma embaixada a outra, num ritmo frenético e ansioso. Os vistos para entrar em todos os países balcânicos demoram vinte dias para chegar a Zagreb.
Na embaixada turca, o cônsul me pergunta se no Brasil todas as mulheres são tão lindas quanto a Escrava Isaura da novela. É... se os balcânicos estão bloqueados, o jeito é voar diretamente a Istambul.
E é aqui onde estou agora, na casa do Denis e do Inan. Com um mapa nas mãos, tento explicar que venho de Barcelona com Jávi, meu namorado espanhol. Viajamos de carona, muitas vezes com caminhoneiros. Espanha, sul da França, norte da Itália, Eslovênia, Croácia, de onde eu peguei um avião. E enquanto eu tô aqui nessa sala, Jávi deve estar perdido em algum lugar da Bósnia, da Sérvia ou da Bulgária. Aí ele vai chegar a Istambul e nós vamos continuar a viagem até a Síria. Vamos passar pelo Iran, pelo Paquistão, Índia e depois fazer o mesmo trajeto de volta à Europa...
Inan e Denis se espantam. Pra que ir ao Paquistão? Pra que ir à Índia? Lá as pessoas são muito pobres… Lá não é bonito, é tão perigoso... É terra de terroristas…….

::: azeitona preta)
Os muçulmanos sunitas cantam uma bonita oração a seu Deus Allah cinco vezes ao dia. Se o sol nasce, ao meio dia, se é de tarde, se é crepúsculo e se é de noite. É de Istambul que trago a primeira vez que escutei arrepiada esse bonito canto-oração que ecoa unânime pelos alto-falantes das mesquitas da cidade...
Nesse pequeno apartamento istambulino onde vivo com Denis e Inan, a televisão está sempre ligada. Programas de comédia turca, videoclipes, novelas. Uma foto do elegante Kemal Atatürk na parede, o homem que fundou a república turca e ocidentalizou o país.
Chá, pão com azeitona preta, queijo e especiarias. A comida sempre é servida na mesa, encima do jornal do dia, que depois vai pro lixo com toda a sujeira.
Inan e Denis me mostram fotos de seus times de futebol e da base militar onde estiveram fazendo treinamentos obrigatórios nos últimos seis meses, no sul do país.
Lembro que alguém já falou que o turco é língua de outros céus. Impenetrável. Ligeira. A tevê continua ligada e eles agora confabulam, tentando adivinhar o que escrevo sobre eles. Em vão. Porque pra eles o português é tão distante quanto pra mim é o turco, essa língua intocável. Absolutamente inatingível.
Estou nesse pequeno apartamento de subsolo há três dias. Segunda-feira, bêbada com Jávi na praça principal de Zagreb não tinha noção do que me aconteceria quando chegasse a Istambul, não imaginaria nunca que no metrô que liga o aeroporto ao centro da cidade conheceria Inan, que, em resposta à minha pergunta sobre um hotel barato, me convidaria a passar a noite no seu apê. E aqui é onde estou. E a tevê continua ligada.

::: constante polis)
Agora o tempo é de tomar chás e se espantar com o esplendor esquecido dessa cidade que guarda em seus cantos e pontes delírios caprichosos de antigos imperadores. 
No ar, tudo são vestígios. De eras de pedra e cobre. De bronze. Guerras de Tróia. Rei Midas. Helenas. Sofias. Alexandres. Terremotos. Pergamundos. Bizantinos. Constantinos. Maremotos. Cruzadas. Otomanos. Enchentes. Incêndios. Furacões.
Istambul, Bizâncio, Constantinopla já sobreviveu a todas as catástrofes do mundo.
Istambul, Constantinopla, Bizâncio, coração de três dos maiores impérios da História: o romano, o bizantino e o otomano... A grande Polis, o centro do antigo mundo grego, a mais maravilhosa cidade da terra, berço de muitas das nuances da cultura européia. Enquanto Paris era apenas uma favela medieval, em Constantinopla os cidadãos falavam de filosofia, comiam com talheres, construíam templos belíssimos para seus deuses e uma muralha tão forte e resistente que defendeu a Polis de inúmeras tentativas de invasão no passado. Todos que passaram por aqui quiseram roubar alguma coisa, mas a matéria fundamental desse lugar ninguém nunca conseguiu levar.
É em Istambul onde acontece essa fulminante pororoca continental - confluência de águas ocidentais e orientais. Mármora e Negro. Tudo filtrado pelo estreito de Bósforo.
E por uma semana vou com Denis e Inan pelo bairro, pela cidade, mesquitas, fotos, museus, padarias, casa de chá, fotos, praças, pontes, fontes, fotos, hamans, passeios, casa de amigos, lojas, fotos. O dicionário de inglês-turco a tiracolo, Inan me fala de cada tijolo, cada vazio, cada moça bonita, cada vendedor de cada quê... Seu sonho é comprar uma Vespa.
Ah!, ele me conta... Há muitos anos atrás uma serpente se apaixonou pela filha de um velho imperador da cidade. Então, pra proteger sua filha da serpente, que lhe queria matar com um beijo, o Rei mandou construir um palácio em uma ilhota no meio do mar, aonde a serpente nunca chegaria. É aquele castelo ali, ta vendo?
O mar e as ruas que sobem. Muito morro e muito mar. As sete torres. A Mesquita Azul e seus azulejos e os que se ajoelham para rezar para Allah. Mulheres com cabeças veladas de um lado. Homens com bigodes de outro. E lá fora, esse bonito cemitério de sultões. Santa Hagia Sophia e o ovalado poético de sua estrutura.

O túnel de covas secretas embaixo de tudo o que se vê, embaixo do bondinho, da cigana que pede dinheiro, do vendedor de minhocas, dos jogadores de dama, do moleque que vende tapetes no Bazar, daquela torre linda que sobe, sobe, sabe?
Ai, Istambul e sua rara geografia, seus pescadores anônimos, vendedores de doce, bazares, mesquitas, cegos cantando na ponte, kebabs, novelas, futebol.
Será que Istambul é a maior cidade do mundo? E esses véus? O que guardam essas mulheres por debaixo desses véus? Três bocas? Uma serpente? Asa delta?

::: o trem)
Turquia... País de paisagens contrastantes desde a poltrona do trem. Pequenos povoados. Casas de barro. Cachorros preguiçosos. Cabras monteses. Mulheres muçulmanas tratando da terra. Gente do campo que saúda o trem, acenando de longe. Adeus. Gulê, gulê... Montanhas de uma beleza brutal. Imponentes. Pequenas casinhas de pedra. Resquícios de antigos povoados. Muitas das coisas nesse país são resquícios. E quase todas as pedras são históricas. Turquia rural, muçulmana, em contraste com a européia e desenvolvida Istambul. Turquia verde e arenosa. De gente generosa, que oferece ao forasteiro chás, Cola-Turca, brincos, doces.

::: a estação)

Um dia inteiro na estação de trem esperando pela madrugada de amanhã para poder partir. Dia de cólica. Sol. As pálpebras pesadas, letargia, sono, sono, calor, fome, sono e calor.
Uma volta pelo centro de Adana, uma praça verde, um oásis no meio de uma cidade grande, sem maiores atrativos que seus prédios altos, estátuas de Mustafá Kemal Atatürk, grandes caixas armazenadoras de água no telhado dos prédios e das casas.
E o curioso e denso universo da estação. Uma velha que vomita. O condutor barrigudo do trem em que chegamos se espanta ao encontrar-nos ainda vagando pela estação. Todo mundo já conhece a gente. O vendedor de gelo raspado com xarope de groselha. Os motoristas dos trens que chegam e partem acenam e riem de nós, imitando com gestos nossa reticente atitude sonolenta. E se estamos dormindo ou lendo em qualquer banco da estação, o segurança que vem, faz uma ceninha de bravo autoritário, xinga alguns palavrões em turco, mexe no bigode e continua sua ronda.
Outro dia e outra noite na estação. Sem banho, na espera, quase comendo nada, quase nada de dinheiro turco. Turkish Lyra. Noite mal dormida. Mosquitos. Barulho de trens. Atenção inconsciente na mochila e no saquinho com o dinheiro e passaporte.
Com o raiar do dia o trem chega e nos vamos depois de tanta espera. O trem apita pro despertar de mais um dia rural nessas montanhas selvagens.

::: mesopotâmia)
Mesopotâmia, por onde passou Heródoto e os babilônicos. Mesopotâmia, crescente fértil do oriente, onde se planta o trigo, a cevada selvagem e o abricó. Mesopotâmia, entre rios nesse sertão oriental. Entre o Tigres e o Eufrates. Mesopotâmia fica e o trem se vai...

::: alçafrão)
E então Damasco e essa fonte de azulejos coloridos. Cidade oásis. Miragem cravada no meio do deserto, banhada pelo rio Báraga. Cidade caleidoscópica, onde a história criou tantas histórias que todas elas não caberiam num livro de oito mil anos. É hora da oração do crepúsculo e a cidade parece uma Babel, com vozes que saem em forma de canto de todos os cantos.
Desde que entramos em território sírio, me sinto num emaranhado de emoções e surpresas e choques e... Desde o trem, as primeiras paisagens do país são agrárias. Campos de oliva, extensos, geométricos. Mulheres trabalhando a terra. Crianças trabalhando a terra. Pequenos cemitérios plantados em rincões de povoados, espalhados entre plantações de azeitonas e de trigo. Cor de areia. Gente de areia, árida, árabe. Motos antigas e empoeiradas levam homens com lenços vermelhos na cabeça. Merhaba, Síria.

Pisar em solo Alepo, Halab. Reza a lenda que foi aqui que Abraão parou para ordenar seu gado no caminho para Israel. Halab quer dizer leite fresco em árabe e em hebraico. Antiga jóia, porta estandarte síria, valioso troféu para quantos foram os conquistadores que já conquistaram e desconquistaram esses cantos do mundo. Gregos. Turcos. Romanos. Bizantinos. Mongóis. Árabes. Terra de antigas riquezas e guerras que deixaram marcas em cada pequena ruela, em cada loja do infinito e caótico bazar, na retina de um velho cego visionário que, sentado em uma pequena cadeira de madeira, coloca um papel de seda na sua mão e o papel se enrola e anda pra frente e pra trás. Aí ele te fala o que vai acontecer amanhã, mesmo se você não quiser acreditar nele.

Parece que tudo aqui é barulhento, iluminado e secular. Burburinho de famílias em parques e praças fazendo piqueniques ao luar. Carros e táxis, loucos e alucinados, com buzinas incessantes, decoradíssimos com todo amor e gosto duvidável, com luzes de néon, bichos de pelúcia, penduricalhos, pregados no vidro ou na frente do carro.

Enquanto as mulheres estão por todas as partes fazendo compras, os homens estão trabalhando do outro lado do balcão. Alepo parece ser movida a comércio e o limite que separa vida pessoal de profissional é tão tênue que te transmite a sensação de que a cidade não dorme e de que as lojas estão eternamente abertas, há anos e anos e anos. E que os vendedores amam vender o que vendem. E que sempre conseguem vender quando querem.

Perder-se pelo labirinto dos labirintos de barro da cidade antiga sem nunca achar o jardim central. Penetrar gradualmente nesse universo inquieto. O zig-zag coletivo de máquinas de costuras; o calmo martelar de tantos e tantos sapateiros. Cheiro de flor de laranjeira e de cola num galpão onde fazem livros.  A cor da pimenta, da canela, do gengibre, do alçafrão, o destilado da uva, tâmara. A lábia eloqüente dos vendedores de tapetes. Dos vendedores de sabonetes. Dos vendedores de suco. Dos vendedores de carne.

Filhinho aprende a trabalhar com papai. Ao lado de cada um desses tantos vendedores bigodudos está uma criança, às vezes entediada e às vezes mais parecendo homem crescido.

Essa é a loja do meu pai, que foi do meu avô, do meu bisavô e do meu tataravô, eu acho.

Em um país onde mais de 90 % da população é muçulmana, a instituição família pode ser um fardo menos ou mais pesado. E a maneira como as tradições milenares convivem com as atraentes e supra-sensoriais modernidades (que pouco a pouco vão adentrando fronteira adentro, apesar de todo o conservadorismo), podem às vezes causar um colapso no caráter das pessoas e nos rumos de suas relações com o mundo exterior.

::: waddah)

De um encontro casual como tantos outros nessa viagem, conhecer um sírio bastante peculiar. Cabelo prateado, camiseta alaranjada, barba por fazer, óculos de grau e calças jeans. Waddah. 39 anos. Solteiro. Muçulmano, talvez não-praticante. Vendedor de antiguidades, como seu pai. Com uma excêntrica comoção, nos convida a beber vinhos de Alepo em uma bonita cova, antiga como só podem ser antigas as covas dessa antiga cidade. Sissi.

De um encontro casual como tantos outros, já temos para o dia seguinte a agenda organizada.

11 da manhã, encontro com Waddah em uma esquina tal, perto do nosso hotel.

11 e meia, café da manhã com Waddah, em seu apartamento.

Das 12 da manhã às 6 da tarde, tempo livre para explorar a cidade.

6 da tarde, momento de beber arak “and relax”, na bonita cova Sisi.

8 da noite, jantar gentilmente oferecido por Waddah, quando desfrutaremos a autêntica comida síria.

9 e meia da noite, banho árabe, o hamman, no seu apartamento.

10 da noite, dormir na grande cama de Waddah, preparada especialmente para que o casal possa descansar depois de um dia tão atribulado.

Quando foi que tudo isso começou? Como foi que nos deixamos levar pela lábia desse vendedor? Queríamos testar-nos? Queríamos testar-lo? Ver até que ponto poderia chegar? Como foi que entramos nesse jogo? Por pura curiosidade ou pesquisa antropológica? Será que esse homem existe mesmo? Ou tudo foi só uma dessas alucinações coletivas, engraçadas, estúpidas?

O simples fato de ter cumprido todas as atividades da agenda me espanta. De um compromisso a outro, parecíamos cada vez mais imersos em sua loucura. Carente. Incompreendido por amigos. Caso perdido para a família. Ou nada disso, apenas uma pessoa que não se encaixa nos padrões de comportamento do meio em que vive. Alguém que no ocidente, talvez, fosse apenas o louco do bairro. Um homem que há 24 dos seus 39 anos de idade se desperta e vai a cada dia trabalhar na mesma loja. A mesma loja de antiguidades de sempre. Pedacinhos de vida cotidiana de um tempo que não existe mais. É todo paradoxo, esse homem. O arauto da modernidade tardia de uma Alepo que parece se esquecer de que o tempo passa, vende quinquilharias de outros séculos. O arauto da liberdade tardia de uma Alepo em que homem e mulher não podem se tocar fora de casa é alcoólatra, mas o tipo do alcoólatra muçulmano que só pode beber escondido, em um bar para gringos, no centro da cidade.

Como posso dizer que esse homem me incomodava? Que havia uma lacuna entre o que ele dizia e como fazia as coisas? A cada tarefa cumprida, me angustiava mais. Que poderia querer esse homem em troca de tanta amabilidade?  Por que nos quer comprar assim, com 500 dinares? Com copos de vinho, de coca-cola, de arack? Por que nos quer comprar com colares, punhais antigos, com palavras em árabe?

If you are happy, i’m happy. You´re with me, don’t worry, you’re with me. Quê que esse cara quer? Sabe... nem me sinto agradecida pelos seus presentes. O sentimento que Waddah me desperta é o de nojo, de repugnância, asco e uma curiosidade beirando ao mórbido. E Jávi tem as mesmas impressões, mas continuamos no jogo.

Ao final da noite, chegamos à sua casa, para cumprir a tarefa final. O banho árabe. Um apartamento pequeno, perto do centro antigo, com cheiro estranho. Antigos objetos de decoração mesclados nas paredes com pinturas de crianças chorando.

Ele já estava bastante bêbado e nos tocava e repetia suas grandes frases feitas. Jávi e eu estávamos mais tensos a cada minuto. Sozinhos, como duas putas, com esse louco bêbado, com humor vacilante e brilho doentio nos olhos.

Preparou o banho árabe e perguntou se poderia tomar-lo conosco. Senti nojo e alívio, porque agora tudo fazia sentido.  Mas depois dos desconcertos e do “preferimos tomar o banho os dois, a sós”, uma ansiedade invadiu meu peito, e uma leve pontinha de medo. Havia um punhal antigo na mesa e um louco bêbado no sofá, ouvindo a toda altura um disco de Laura Pausini...

::: paraíso?)

O hamman tem qualquer coisa que me impressiona. É uma espécie de mistura entre profano e sagrado, terreno e divino. Paraíso quente assim, como o inferno. Um ritual de purificação. Limpeza do corpo e da alma. A pele velha vai embora pelo ralo. O homem limpa a mulher. A mulher limpa o homem. Lavar por três vezes a cabeça com o sabonete de azeitona. E o corpo também. Com três tipos diferentes de bucha, massagear toda a pele. Alternando água quente e fria, muito quente, menos quente. Fria e morna. Um manjar para os sentidos e uma experiência sublime poderia ter sido nosso hamman, se não tivéssemos com a cabeça e o coração cheios pelas histórias do louco Waddah. A verdade é que não víamos a hora de nos livrarmos desse homem e de todo o seu mundo doentio, feito de solitárias ilusões.

E assim, meio desfrutando do banho, meio incomodados pela presença e a fresca memória de Waddah, que agora bate na porta e pede que Jávi saia por um momento, apenas Jávi, venha até a sala. Todos os medos pareciam tomar formas agora. Um tarado bêbado punheteiro na sala com uma enorme faca na mesa. Quê que esse homem quer agora? Por que a gente se meteu em toda essa merda? Por que ele só chamou o Jávi? A gente tá sozinho aqui... Qualquer coisa pode acontecer?

Enrolados em toalhas, saímos com o coração na boca, dispostos a enfrentar o louco e acabar com tudo agora. Agora.

Com um sorriso infantil e patético na cara, nosso vendedor de antiguidades estava esperando perto da porta, com uma cumbuca de prata nas mãos. “É para vocês tomarem o hamman, meus amigos, é um presente pra vocês...”

Anos depois, Jávi voltou à Síria e em Alepo buscou Waddah em sua loja de antiguidades. Juntos foram beber vinho na cova Sissi, como no dia em que nos conhecemos. O cara era aquela mesma figura de anos atrás. Me mandou de presente um lenço lindo e um par de brincos e nem tocou nas sórdidas histórias do passado. Por dentro, só Jávi mesmo é que ria de tudo o que tinha acontecido, vai ver Waddah nem se lembrava direito. Na verdade, ele era um solitário carente, um solteirão da meia-idade bonzinho que gostava de curtir a vida. E que nunca ia mudar.

::: inferno?)

O regime de Damasco. Nacionalismo árabe, xenofobia e militarismo. Quando Hafez Assad (que governou entre 1970 e 2000) morreu de ataque cardíaco, não tinha amigos, apenas servidores e inimigos. Pelas praças do país, murais com fotos e pinturas assustadoras do velho ditador e seus dois filhos – o preferido, que morreu num acidente de carro e o caçula, Bashar, um oftalmologista formado na Inglaterra, que teve que assumir o governo do país depois da morte de seu irmão.

Hoje a Síria é um dos países mais fechados e isolados do mundo. Manteve seu Exército de ocupação no norte do Líbano, onde está desde 1976, e não fez um gesto para se acertar com Israel, país para o qual perdeu três guerras desde 1948.

A queda de Saddam Hussein só piorou o isolamento e a pobreza do país, já que mais de um quinto da economia síria dependia do contrabando de petróleo iraquiano em troca de alimentos sírios. A Síria é o único país da região que é auto-suficiente em alimentos, ainda que a agricultura, que emprega mais de um quinto da população, seja subsidiada pelo governo. Em 2005 havia apenas 50.000 telefones celulares no país, a internet praticamente não existe e é preciso autorização do governo para comprar um computador.

::: tempestade de deserto)

As margens sagradas do Rio Eufrates... Meninos com calor nadam quase desnudos, rolam pela água e pela terra. Al Furat. Essa é uma pequena cidadezinha perdida, esquecida e anônima nas bordas desse grande rio, histórico, bonito, encorpado, verde de um verde oliva que se contrasta com a cor de areia das pessoas e das casas do vilarejo.

Somos parte de uma grande família, tão pobre quanto grande. E tão rica quanto pobre. Oito crianças, papai e mamãe que vivem em uma casa dividida em dois grandes cômodos, muito limpos, todos os dois. Os móveis são poucos. Na sala de visitas, um pequeno tapete forra o chão. Uma foto do pai e outra do filho mais velho observam todo o movimento da casa, emolduradas e orgulhosas desde uma parede desnuda.

O filho mais novo é um bebê que dá seus primeiros passinhos, com a bunda de fora, sempre mamando no colo da mamãe ou correndo atrás de algum pintinho pela casa afora. Não falam outro idioma que não seja o árabe, mas conseguimos nos entender com poucas palavras, ajudados pelos livros de inglês didáticos ilustrados dos filhos mais velhos.

Tenho a imagem de cada um deles na minha cabeça agora. A mãe trabalhando de um lado pro outro entre bebês, pepinos, vassouras, plantações de algodão, já que em tudo o que é universo doméstico está a mão e o trabalho da mulher e das filhas mais velhas. O pai, com sua postura nobre e calma, que transforma sua pobreza em dignidade generosa. Mohamed e sua família com grande árvore genealógica.

Nossos avós têm nove filhos. Cada um desses filhos tem outros quantos filhos, e assim, para sempre. Famílias grandes, muitas bocas para comer e pouco dinheiro. Nada sobra por aqui, mas mamãe me oferece uma muda de roupa quando percebe que eu tomo banho e visto a mesma roupa de antes.

Na primeira noite, um grande jantar com pepino, tomate e frango. Jantar comido diante olhos de meninos com fome, que esperavam que o pai e os convidados acabassem de comer. As mulheres e as crianças comem depois, comem o que sobra.

Na hora de dormir as mulheres da casa trazem para o quintal uma infinidade de almofadas, colchões e travesseiros. Dormiríamos como todos da família, aqui fora, no quintal. É verão e é assim que dorme o árabe sírio e camponês. Ao ar livre.

Então em alguma tarde, uma grande tempestade de areia, vento e água. Com cores e cadência de tempestade de deserto. Parece que ainda tenho grãos de areia nos olhos... E depois da tempestade, nossa casa agora não tem mais luz e estamos todos sentados sobre os tapetes da sala assim, sem falar muita coisa, comendo sementes de girassol salgadas e fazendo um teatro de sombras fajuto com uma última vela que sobrou. Está também a vó, com sua cara tatuada no queixo e nas bochechas, como é o costume por aqui entre as mulheres. A avó me parece ter outro status social dentro da família. Viúva, trabalhou a vida inteira no campo e em casa. Cuidou de marido e filhos a vida inteira. Agora pode ser um pouco como os homens. É a mãe patriarca, a mais velha da família. Fala o que quer e é escutada. Emancipou com a velhice. Tem filhas, noras e netas que trabalham para ela. Acho que ela gosta de comer amendoim...

Tem um jeito tão lento essa mulher, jeito de gente de deserto. Todos por aqui são um pouco assim, têm outro ritmo, que a gente desacostumou a entender. Que parece tão herege nesses tempos em que a velocidade dita as ordens.

::: fronteiras)

 Agora vivemos em uma casa enorme, feita de cimento e pintada de branco, no meio de uma cidadezinha de barro. Norte do país, pertinho da fronteira com o Iraque.

Quando chegamos nessa vila, um rapaz com um ralo bigode nos levou a uma casa, onde nos recebeu um grupo de homens com aparências e gestos solenes. A comida é abundante. Sentados num tapete lindo dividimos a mesma comida, servida em uma grande bandeja de prata e comida com as mãos. No meio do almoço, dois policiais entram na propriedade, nos interrogam e anotam os números de nossos passaportes. Tomam uma xícara de chá, friamente se despedem e se vão.

Pela janela, vejo a sombra de olhos curiosos. Mulheres. Nessa casa abastada, as mãos das mulheres tornam-se invisíveis. Não passam nunca dos limites do quintal. É aqui onde estou agora, presa do ninho feminino. O chefe da família me pede para retirar-me às salas interiores e me surpreende chegar ao quarto onde estão as mochilas e dar de cara com uma bonita jovem explorar tudo com excitação e curiosidade. Outra moça, mais velha e calada, varre o corredor. Perguntas feitas com gestos e alguma palavra em inglês sobre costumes, meu país, tolices hormonais. E se essa é uma casa de homens cerimoniosos, é também uma casa de mulheres inocentes, eloqüentes, quase histéricas, encurraladas por costumes no doce e seguro beco da submissão. Vou tomar banho na casa de um dos filhos do patriarca, ao lado de onde estamos instalados. Aqui, a cozinha vira banheiro. A anfitriã, jovem que tem a minha idade e corpo de mulher árabe que já pariu quatro vezes, me prepara com alegria o hamman. Com gestos e risadas sacanas e infantis me pergunta por meus filhos, se transo com Jávi, se oferece para cortar meus pêlos pubianos, me diz que sou magra, ri, ri, ri... Para ela, eu tenho uma aparência de criança, e para mim, ela é uma mulher com maridos e filhos, que limpa a casa, cozinha bem e vive assim, a cada dia, mas ainda tem inocência de criança.

Ao entardecer, estamos com todos os gordos e corpulentos chefes da família, seus filhos e algumas poucas e tímidas mulheres, sentados em tapetes e cadeiras postas numa sombra em frente à casa. Tomar o chá ou o suco artificial de laranja e ver o tempo passar...

Aqui não está Alimah, pobre menina rica. Proibida de sair de casa, ela lava o quintal por ordem do irmão mais velho e me pergunta gritando se no meu país também é assim - se os homens não fazem nada e as mulheres trabalham muito, sem parar.

Aqui está Tabuch, pobre menino rico. Com seu negro traje árabe, aos oito anos de idade já foi proibido pelo pai de andar de bicicleta entre as casas de barro da vila, nas ruas mais pobres.

Aqui está Nasir, pobre rico herdeiro. Filho mais velho que sustenta orgulhoso um raquítico bigode no meio da cara. É ele quem nos apresenta a cidade e serve de tradutor das ordens do pai. À noite, nos leva à casa de um amigo seu. Estamos aí vendo estrelas na laje onde a cada noite a família se junta pra falar, calar e fugir do calor. De longe vemos o trepidar do fogo de uma estação de petróleo. Família grande que exibe orgulhosa cada filho macho como cada estrela desse céu sem nuvens.

Na volta para casa o grande e poderoso soberano nosso anfitrião nos espera com cara de poucos amigos. Na manhã do dia seguinte alguém bate na porta da grande sala onde dormíamos. Então aqui está Nasir, este que nos leva sem muito humor ao ponto de ônibus e nos mete na primeira van que passa em direção a qualquer lugar que não seja essa vila. Acho que fomos expulsos... ai...  

::: curdistão)

A van nos deixa numa outra vila de barro. Apesar de ser bem cedo pela manhã, o calor já é forte. Um anão nos vê e grita alguma coisa a um menino que estava passando. O menino se aproxima de nós e nos convida a ir a sua casa, a tomar o chá e a fugir do sol. Recebe-nos um homem com a pele queimada de sol, com uma voz macia, suave, com o lenço palestino vermelho e branco na cabeça, fazendo as vezes de turbante. Ele nos pergunta em árabe coisas que julgamos ser de onde somos, de onde viemos, para onde vamos, nossos nomes, todas essas que costumam ser as perguntas perguntadas nessas situações. É quando entram na grande sala dois militares vestidos à paisana e o diretor da escola local, que por falar bem o inglês, serve de tradutor ao “inquérito” que se arma. Passaportes e o interrogatório de praxe. Com o dever cumprido, os militares se despedem.

 Estamos com Hussein, o dono da casa e seu amigo, o diretor da escola da vila. Com seus gestos solenes, Hussein ajuda o filho de uns dez anos a estender o manto no chão e a pôr sobre o manto os pratos de comida – frango ao curry, arroz e vegetais. O professor continua em nossa companhia e fala que a gente não tem que se preocupar com a “visita” militar. Fala que, ao tomar o Iraque, os americanos apontaram à Síria como cúmplice do terrorismo. E que agora estão pressionando o governo sírio a tomar medidas para impedir a entrada de terroristas no Iraque, por isso o exército sírio está, pelo menos na fachada, fechando o cerco contra estrangeiros ou suspeitos que passam por essa região onde nos encontramos, o Curdistão, que além de ser uma zona de conflitos ideológicos, religiosos e políticos, está a menos de 100 quilômetros do Iraque.

(Pra falar a verdade, nunca tinha ouvido falar nesse tal de Curdistão, até chegar aqui nesses cantos do mundo. Me falaram em segredo que os curdos sempre foram nômades anônimos e muçulmanos sunitas de uma região montanhosa e desértica que passa pela Turquia, Iraque, Síria, Iran, Azerbaijão e Armênia. Em 1639 o seu território foi repartido entre persas e otomanos. Depois entre turcos e iraquianos, que proibiram o uso de sua língua e o florescimento de sua cultura. No século XX até hoje, a história curda se sujou com sangue, perseguições, lutas, sabotagens, ataques com armas químicas, genocídios. Mas eles ainda continuam sua saga, lutando contra tudo e todos em nome de sua libertação. Só que  aqui não se pode falar sobre isso em voz alta... )

O almoço segue tranqüilo, vem o suco artificial de laranja com gelo e o professor se põe a contar detalhes de sua vida amorosa. Está casado há 11 anos com sua mulher e tem três filhos. Ele soube através de um amigo que um senhor da vila tinha lindas filhas e decidiu conferir com seus próprios olhos as beldades. Gostou do que viu e decidiu pedir a mão de uma das moças em casamento. Em pouco tempo o professor já tinha uma mulher, com quem se casou sem nunca haver trocado uma palavra. E assim seguia sua vida, com sua mulher e seus filhos até que no último ano letivo ele se apaixonou por uma das professoras da escola. Dessa vez um amor correspondido e mais maduro. Espera, Inshallah, poder conseguir juntar dinheiro para pagar por seu dote e se casar outra vez. “Do you love your wife?”, eu lhe pergunto e ele me diz que “some how”... “ela ficará triste se você se casar com outra mulher?” e ele responde com seus grandes olhos azuis que sim, que acha que ela vai ficar triste se ele se casar com outra mulher...

Comida a comida, bebido o chá, o diretor se despede e se vai. Decidimos dar uma volta pela vila, mas nosso anfitrião se desespera e nos diz em árabe com gestos que é impossível sair de casa numa hora dessas, em que o sol do deserto é devastador e impiedoso. Sem outras opções, nos deitamos na sala, nas grandes almofadas coloridas colocadas sobre os tapetes, que cobriam quase todo o chão de barro da sala, com exceção da parte em que Hussein jogava ritualmente o último gole do suco ou do chá ou escarrava.

Ao final da tarde o calor é menos apavorante. Uma volta pela vila com um dos filhos de Hussein, um jovem elegante que fala um inglês interessante e explica que trabalha em uma empresa petrolífera nas redondezas, mas que agora está de férias.

Nos altos de um pequeno morro da vila, nos sentamos todos para ver o sol se pôr. O jovem nos mostra os rastros do rio que secou, rastros que parecem as marcas do tempo na cara de um senhor muito velho; as ovelhas que voltam pra casa depois de um dia de pastar e cagar; nos fala sobre o petróleo, o ouro negro que marca a vida e a morte de muitos dos que vivem nessa região tão próxima ao Iraque. E assim estamos, entre rastros e óleo quando o jovem filho do nosso anfitrião diz que nos ama e nos oferece o amor e a lealdade seus e de toda a sua família, que agora também é nossa. Ai, ai... podem chegar a ser muito sentimentais essa gente do deserto.... Humanos xerófitos, flores que se abrem quando o dia nasce e pouco antes do sol se pôr. Às vezes podem parecer ásperos ou rudes por fora, mas quando se abrem, mostram lindas flores. Gente de deserto é gente de uma generosidade refinada, gente que se afinca ao que há de vida ao seu redor e que dribla todas as adversidades com suas grandes raízes, que são asas que crescem pra dento da terra.

Pela noite, chegam os filhos mais velhos da esposa falecida de Hussein. Voltam do trabalho no campo e chegam na hora da comida, cansados, muito cansados... O trabalho duro que está condicionado aos desejos solares... Levantar com o sol, dormir em barracas de lonas construídas no campo nos momentos de sol explosivo e avassalador e logo trabalhar até depois de que o sol se põe.

Chega também o professor, agora recém saído do banho, com um sorriso na cara e estamos todos sentados em cadeiras, olhando pro céu, sem falar nada. E somos testemunhas de uma noite de eclipse. A lua se esconde em algum lugar, deixando a via totalmente láctea, impressionante nudez celeste.

As mulheres da casa arrumam uma cama pra dormirmos ao relento.

Bem cedo pela manhã nos desperta a dupla de militares do dia anterior, que querem se certificar de que vamos partir do vilarejo hoje mesmo, na primeira van que passe com destino a qualquer outro lugar, que não seja esse. E assim foi como foi. Se o Iraque está do outro lado da linha, o jeito é conhecer o Curdistão sírio às pressas. E assim foi como foi.

::: talibans)

Uma carona nos deixa numa outra seca vila de barro. A cruz no alto do morro nos indica que por aqui há cristãos. Chegamos à Igreja e o olhar do Padre parece ser um pouco... intimista?

“Terroristas?”

“Não, católicos de por vida...”

“Ah! Bem-vindos... podem se sentar aqui por um momento, por favor... ”

Uma freira nos traz água para beber... Bismillah!

E então, dois militares chegam para conversar calmamente com a gente. Passaportes. As mesmas perguntas de sempre.

“Ah, ok... Turistas... Podem vir com a gente, por favor...”

Sim, entrem no carro que vamos fazer uma pequena viagem a Al Camishli.

E assim vamos sem entender muita coisa. Será que vão levar a gente pra prisão? Prisão feminina na Síria? Ou deportar-nos? Quem é que vai saber... Mas se é pra ir, vamos indo...



::: arameu)



E então Al Camishli. O carro pára. Descem os policiais e um deles volta acompanhado de uma jovem sem véu e com blusa colada no corpo com alguma palavra escrita em inglês com purpurina.  É a irmã de um dos policiais, que nos trouxe aqui para passar uns dias com sua família... Meu Deus!



Sentados no sofá da sala, todos bebemos suco artificial de framboesa com gelo.



Latifah, católica, estudante de direito por correspondência, solteira aos vinte e alguns anos conversa com a fluidez do seu inglês decente. Ai, Latifah e sua imensa vontade de viver lá nas europas, onde estão dois de seus irmãos. Latifah quer ser emancipada e moderna. Viver assim, como se vive aqui na Síria é não acompanhar o compasso da evolução do mundo ocidental. Com orgulho, Latifah fala da sua carreira acadêmica, dos seus sonhos de abrir um escritório onde possa exercer sua advocacia. Com orgulho, conta como vive sua condição de mulher vanguardista que estuda por correspondência e trabalha fora, enquanto as muçulmanas de sua idade estão dentro de casa, limpando a cozinha com uma penca de filhos pendurados na bainha da saia.



A matriarca chama a todos para almoçar. Aí está o pepino, o tomate, queijo, pão, ovo. Essa poderia ser a mesa de uma família síria islâmica. Mas não. Aqui nessa cozinha, com todo o respeito, se fala o arameu, língua tradicional de José e de Maria. Latifah agora traduz as palavras de sua mãe, que nos pede, por favor, para trocarmos de roupa, que assim mais parecemos terroristas talibãs voltando de Bagdá. Temos que sair da mesa, colocar outra roupa que eles nos dão. Melhor assim, agora, com roupas do ocidente... Sentamos-nos, a mãe faz as orações e a comer.



Os dias passam tranqüilos em Al Camishli, passeios pelos parques, comidas, caminhadas pelos bazares...



Na hora de partir, Latifah nos dá abraços e beijos e nos pede implorando, ”por favor, não durmam em casa de muçulmanos...”

::: pelos olhos delas)

Ser mulher forasteira em terras árabes muçulmanas é poder sentar-se na sala com os homens e na cozinha com as mulheres. É escutar murmúrios de lamentos femininos. Contra o machismo. Contra os desafetos. Contra as outras mulheres do marido.

Ser mulher forasteira em terras árabes muçulmanas é um doce convite ao trabalho doméstico. Ajudar a ralar o pepino. Carregar no colo a criança bebê. Tirar leite das tetas de uma vaca. Olhar as vitrines das lojas de lingerie. Ser convidada em tom de intimação a dançar a dança do ventre na sala de uma casa de sete mulheres. Ter o cabelo penteado com azeite de oliva e a boca pintada de vermelho carmim. Sussurrar uma canção conterrânea. Ganhar pares de brinco, blusa de manga larga, batom e três anéis pra enfeitar o dedo. Porque mulher aqui tem que gostar de se enfeitar. E estar sempre linda por baixo de seus sete véus. E ter olhos que falam qualquer língua do mundo porque tiveram que aprender a falar com o mundo através dos olhos. E, muitas vezes, a calar os olhos para não abrir a boca.

::: no subterrâneo)

É em Anz que estão guardadas por baixo da terra as sete cidades de pedra do oriente.

Anz é um desses lugares em que só se chega por uma casualidade ou por uma sorte qualquer. Perdida pelas veredas dos áridos sertões sírios. Protegida por seu anonimato.

Em Anz você pode sentar–se em uma de suas pequenas praças e esperar que passe algum morador, que se aproximará, perguntará seu país, seu nome e para onde você está indo. Depois talvez te convide para fazer um passeio pelas ruínas, quando talvez você conheça Rose, que pode estar voltando naquele momento de sua diária peregrinação ao templo de pedras com aparência de improviso, aonde rezam católicos ortodoxos, muçulmanos e drus por seus mortos há muitos séculos e séculos. Amém.

Então Rose vai se apresentar em seu fluente francês como libanesa, mulher de 63 anos que já viveu mais da metade de sua vida em Anz. E então Rose talvez te ensine o caminho para chegar à passagem secreta que te transporta às sete submersas cidades subterrâneas. Por onde passaram babilônicos, fenícios, gregos, romanos, árabes... Passaram e deixaram marcas. Veio o vento. Veio a poeira. A erva daninha. E cobriu Anz, que nem no mapa está sinalizada. E mesmo entre os moradores da vila, que vivem quase todos em ignorância sobre o que existe por debaixo do chão que pisam, apenas poucos sabem da entrada para as cidades secretas e tudo isso tem que ser falado em voz baixa. Shiiiiiiii... A porta de pedra. O sinal esculpido em cima da janela. O túmulo do ferreiro e da moça mais bonita da vila. O túnel que liga o templo a essa casa. O muro que protege o templo. O forno dessa cozinha.

Então Rose talvez te convide para passar a noite em um dos grandes cômodos de sua casa, onde vive sozinha desde que seu marido morreu. Sozinha mas amparada pelos olhos ortodoxos da imagem da Sagrada Virgem Maria, dependurada na parede ao lado da televisão, onde a cada noite Rose assiste a sua novela preferida antes de ir dormir. Ai, Rose... Cristã ortodoxa, estrela solitária, que a cada dia acorda às cinco da madrugada e cuida sozinha do seu campo de azeitonas negras e amêndoas...

É também em Anz que mora um motorista de van casado com uma mulher venezuelana de vinte e nove anos, que há treze anos vive na vila. Mulher toda sorriso e generosidade, com uma pele muito clara e longos cabelos, com seu sotaque latino-americano quase esquecido, de tanto não usar. Samira, filha de pais sírios que foram tentar a vida na Venezuela há tempos atrás e que mandaram a filha mais velha para fazer uma ponte entre seus dois mundos. Então ela, Samira, veio a Anz visitar os avós e por aqui ficou. Agora ela é mulher mais árabe que venezuelana. Mulher que se converteu à religião Dru por amor ao marido.

Samira, mãe de dois filhos homens e de uma filha cega, menina de nove anos, que enxerga com o tato e com os ouvidos, que faz a gente pensar em como é que deve ser mulher e cega num país muçulmano e árabe. É como se ela fosse uma mancha, talvez. Na hora de apresentar a família, o pai deixa a filha lá na cozinha com a avó. Essa filha que além de ser mulher ainda por cima é cega. Imagina quem vai querer casar com ela? Quem? Fardo mais pesado... Mas deixa a menina, pai... Deixa ela enxergar com as mãos, deixa ela brincar dentro da casa, com a avó, deixa ela...

Estamos agora com Samira, que nos prepara um lanche com pão sírio, iogurte, azeitona, tomate, pepino, ovos. Ela fala do amor que sente por sua família, filhos, maridos. Fala que trabalha mais em casa que ele, mas que ele é muito bom para ela. E sempre que está em casa, ajuda nas domesticidades. O castelhano parece estranho na sua língua. Bonito. Conta que quase não fala com sua família na Venezuela e que com as crianças, só fala em árabe. Só agora ensina algumas canções e palavras em espanhol para o filhinho menor. Pergunta por nossa religião, abre uma gaveta da estante da sala e nos mostra uma  Bíblia, antigo presente de uma amiga, ainda na Venezuela, ainda nos tempos em que ela era católica.

Pela tarde do dia seguinte, passeio com o marido e o filho mais velho de Samira em uma cidade turística das vizinhanças. Cidade que, ao contrário de Anz, está assinalada no mapa, conhecida por ser sede de um antigo e enorme anfiteatro romano, realmente lindo e dono de uma acústica impressionante, mas nada comparado ao que Anz guarda no seu anonimato, debaixo de sete camadas de terra e erva daninha.

Anz. Desta vila levarei lembranças de um tempo em que casas eram feiras de pedras e continuam sendo. Cabras de diferentes donos que saem todas juntas para pastar e que voltam todas juntas no final da tarde, cada uma pro seu curral.

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