Pular para o conteúdo principal

Arvore da Memória: Mamadou Fall e a Ilha de Goré

 tra n s a tl antic


Dentro do forte de Sao Michel, na Ilha de Goré (no Senegal) ouvimos as estórias do artista e pensador Baya Fall Mamadou Fall. 

                                       
Arvore da Memória: Mamadou Fall e a Ilha de Goré                                        

Então ... eu sou Mamadou Fall . 

Eu habito dentro de um canhão. 

Eu habito em um forte que se chama Forte São Michel, uma base militar francesa, que possui uma galeria subterranea. 

Hoje estou embaixo de um canhão e tento desenvolver este espaço como um espaço cultural, com uma galeria de arte e um espaço para tomar o chá. Nós estamos na Ilha de Goré. Uma Ilha que se encontra na África do Oeste, no Senegal, ao Sul da Capital, Dakar. 

É uma Ilha que tem uma estória ... Uma estória trágica ... Por ser uma Ilha onde se transitava os escravizados ... Uma Ilha onde os primeiros europeus que chegaram foram os portugueses, em 1.444, durante o Tráfico Negreiro, o tráfico dos escravos. Porque a posição geográfica desta Ilha na África do Oeste representa um ponto em que Afrika se encontra mais perto da costa caribenha e da costa americana. 

Então foi um lugar que várias nações desejaram ocupar e invadir para despachar escravos africanos por várias partes do mundo.  

A escravidão durou 400 anos nesta Ilha. 

É uma pequena Ilha de 900 por 300 metros que nem ao menos está no Mapa Nacional! 

Foi uma Ilha utilizada como um espaço comercial de escravos. E daqui eles levavam os escravos para todas as partes, para o Brasil, Antilhas, Caribe, América do Sul, América do Norte, Ásia e Europa. Mais de 120 milhões de afrikanos transitaram por esta Ilha para serem deportados e partir por todo o mundo afora. 


Arvore da Memória: Mamadou Fall e a Ilha de Goré

O conteúdo histórico desta Ilha é universal e diz respeito a toda a humanidade, porque as pessoas que passaram por esta Ilha foram levadas aos quatro cantos do mundo. 

 A Esta Ilha já lhe demos muitos nomes ao longo de sua história ... 

Lhe demos um nome Português, na época da invasão portuguesa; lhe demos um nome Holandês na época da invasão holandesa; lhe demos um nome Inglês na época da colonização inglesa e lhe demos um nome Francês na época da invasão francesa... 

Estas quatro nações utilizaram esta Ilha para traficar escravos e mandá-los para os lugares onde haviam ocupado. Ao Caribe, às Antilhas, ao Brasil, à Martinica, à Guadalupe, Suriname, Curaçau, Aruba ... os escravos que saíram daqui foram parar por todas as partes pelo Caribe e pela América do Norte, Europa, Ásia ... 

Por volta de 6 milhões de escravizados nós perdemos no Mar, de acordo com os números oficiais ... 

Durante 400 anos ...
Forte Sao Michel. Ilha de Gore, Senegal


Nós perdemos muitos jovens … nossa juventude … que representava o futuro de nossa sociedade afrikana … nossa juventude foi deportada … e tudo isso desestabilizou a Áfrika … e sua repercussão está junto aos negros que se encontram por todas as partes do mundo nos dias de hoje. A repercussão histórica da escravidão. 

A escravidão foi uma alternativa que sequelou a vida destes seres que foram deportados. Com a intenção, a mesma intenção que exterminou os indígenas na América do Norte, para explorar o sólo. A mesma sorte foi destinada à Afrika. 

Neste caminho de extermínio, neste caminho de exploração se encontrou a escravidão, a partir do século VII. Os árabes começaram a escravizar afrikanos na Áfrika do Oeste, no Kenya, Zanzibar, Tanzania, Uganda, Etiopia, Somália, Sudão, Núbia … por toda essa região, os árabes vieram e apreenderam crianças para serem levadas para serem vendidas. E foram os árabes que ensinaram os europeus a utilizar seres humanos como objetos de trabalho. 

Agora, a relação entre o traficante de escravos e o escravo não era uma relação humanizada, porque os escravos eram tidos como instrumentos de trabalho. Não era tido como um ser humano, dotado de uma vida humana. 

Sobre sua identidade … não era importante conhecer! Não se tinha conhecimento de sua identidade! O extermínio foi o primeiro método utilizado no caso deste ser objetificado representasse qualquer tipo de obstáculo. 

Este ser objeto era estranho, o seu habitat natural era estranho … O seu habitat natural era a floresta, obscura, a savana, cheia de animais … um ambiente estranho  desconhecido, estrangeiro … 


Ilha de Gore, Senegal.

Nós temos medo!!! E como temos medo, nós vamos exterminar tudo o que for desconhecido, tudo o que se movimenta para poder penetrar no ambiente e poder lhe explorar melhor! 

Assim foi a invasão afrikana. A descoberta e a exploração … 

"Nós encontramos recursos naturais! Agora nós tratamos de pegar tudo o que nos interessa … Nós dominamos a juventude deste lugar e lhe deportamos. 

E quando lhe deportamos, nós ANULAMOS seu nome. E anulamos todas as relações entre seu nome e a Áfrika! 


Nós agora lhe daremos um nome português, um nome espanhol, um nome europeu, um nome asiático … lhe daremos vários nomes mas nenhum destes nomes vai trazer relação com a Áfrika" … mas por quê? qual o objetivo por trás disso? 

Deste ser dividido - que agora teve seu nome trocado - não se pode mudar a matéria de que ele é feito porque ele vem da Áfrika, ele é naturalmente Preto! 

Nós mudamos seu nome para um nome português. Mas isso não lhe transforma num português. Ele é um estrangeiro do seu nome. Estrangeiro de seu próprio nome! Ele é Afrikano! Ele tem uma identidade Afrikana! Ele deverá portar um nome afrikano para encontrar sua relação com a Áfrika! Para encontrar de que etnia ele vem! O nome lhe dá uma identidade étnica! O nome possui significação importante na Áfrika! Se trata de um continente de grandes Impérios e Reinos, que nós desestabilizamos devido à escravidão! 

Ilha de Gore, Senegal.

E depois destes 400 anos de escravidão, quando nos deparamos com a população que restou neste continente, o que vemos é uma população fragilizada: uma população de anciãos, de velhos, de pessoas doentes, adoecidas, pessoas inválidas! 

Sua esperança de vida foi definida como precária!

"E Nós Levamos uma surpresa e um choque Quando Nós voltamos à Afrika depois da abolição da escravidão, para ver se nosso objetivo foi alcançado, se a população afrikana foi exterminada" ...  

A graça e boa vontade de Deus, que escolheu para o negro ser afrikano e lhe deu para morar na Áfrika, misticamente multiplicou a população afrikana, a contragosto dos escravagistas, que queriam exterminar a população nativa.

Deus, pelo sistema alimentar tradicional (de raízes) deu forças aos afrikanos e, mesmo doentes, mesmo envelhecidos, lhes transformou em guerreiros e surpreendeu e chocou o Ocidente, multiplicando a população afrikana. 

Então, o que eles pensaram? 

"Nós vamos nos instalar aqui! Nós vamos lhe colonizar!"

E foi a continuação da exterminação da Áfrika pela destruição de sua Cultura, pela interferência ocidental no Rito, na Tradição, na Cultura! Colonizar culturalmente, intelectualmente a Áfrika! E gerenciar, através desta colonização, a política e a economia. E fazer com que os governos afrikanos dependam do Ocidente para poder funcionar. Isso é o resultado da escravidāo que continua intelectualmente, politicamente, economicamente, religiosamente e culturalmente. 

Ilha de Gore, Senegal.

A Áfrika é perseguida culturalmente! Por todas as formas de influências ocidentais que vieram para destruir a moral afrikana. Tudo isso é repercussão da escravidão, esta estória que continua …  

O negro é destinado neste mundo moderno a servir! Por onde o negro se encontra ele está destinado a servir. Ao indivíduo, à família, à mulher … a servir! Como preparar a comida, como educar as crianças, como se limpar … estas são as preocupações cotidianas dos negros por todas as partes onde se encontram pelo mundo … É uma história muito dura e que continua!

Por onde o negro vive, ele vive no Gueto! O Gueto moderno. Onde está pleno de criminalidade, prostituição juvenil dentro da comunidade.  

Tudo isso foi o que emergiu da dramática e trágica história da escravidão que segue o Ser Negro por onde ele vá!

Por onde o negro vá, existe uma discriminação intelectual sistemática em nível universal contra o negro. É uma realidade em qualquer instância! 

O negro vem do continente mais rico do mundo! A terra mais rica do mundo! Esta terra que detém todas as riquezas do mundo e que permitiu a evolução e o desenvolvimento do mundo!  

E por que a Áfrika não se beneficiou desta realidade?

Por onde o negro caminhe por este mundo, ele sofre pressão social, econômica, intelectual … Pelo mundo todo! Pelo mundo todo! 


O único espaço que é aberto para o Ser Negro se expressar é o espaço do divertimento. O espaço aberto para toda a nação negra. Em todos os centros de divertimento do mundo, as grandes estrelas são os Negros. No esporte, na música, literatura, cultura … O divertimento é o espaço aberto para o Ser Negro se expressar! 

O Povo Negro da Diáspora deve salvar a Áfrika de seu afogamento através da Educação! Todos devemos nos educar! A educação é a chave, a educação e a formação é a Chave Fundamental para a Transformação e o Desenvolvimento da Áfrika! Nós podemos fazer e somos capazes de realizar! O Coletivo deve se preparar! O Sacrifício deve ser feito em nível intelectual. Nós Somos Todos Afrikanos! E esta é nossa Identidade Negra! Todo negro é Afrikano! Não importa o nome que você carrega! Você é Afrikano e Nós Somos Afrikanos! É nossa verdadeira Identidade! 

Agradeço por poder partilhar com vocês nossa experiência aqui na Ilha de Goré! 

Eu convido o Mundo Negro para tocar o sólo de Goré pelo menos uma vez na vida, como um lugar de peregrinação! É um lugar sagrado para os negros do mundo!  

O mundo ocidental quis transformar a Áfrika num lugar de consumo e exploração e nunca foi capaz de vir aqui para agradecer por tudo o que foi tirado daqui para realizar o seu desenvolvimento científico, econômico e tecnológico. É uma injustiça intelectual, política e econômica!

Dieradieuf!



Ilha de Gore, Senegal.


 árvore            d a        m e m o ria 


Goré, Senegal, 

Afrika

Dezembro de 2018

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Guedra - O ritual das mulheres do "Povo Azul"

Guedra A palavra "Guedra" quer dizer "caldeirão" e também "aquela que faz ritual". Guedra é usado para nomear um ritual de transe do "Povo Azul" do deserto do Saara, que se estende desde a Mauritânia passando pelo Marrocos, até o Egito. Através da dança e da ritualística que a envolve, esse povo traça místicos símbolos espalhando amor e paz, agradecendo a terra, água, ar e fogo, abençoando todos os presentes entre pessoas e espíritos, com movimentos muito antigos e simbólicos. É uma dança ritual que, como o Zaar, tem a finalidade de afastar as doenças, o cansaço e os maus espíritos. Guedra é uma dança sagrada do "Povo do Véu" ou "Kel Tagilmus", conhecido como "Tuareg. Em árabe, "Guedra" é Também o nome de um pote para cozinhar, ou caldeirão, que os nômades carregam com eles por onde vão. Este pote recebia um revestimento de pele de animal, que o transformava em tambor. Somente as mulheres dançam "G

Os Quatro Ciclos do Dikenga

Dikenga Este texto sobre os ciclos do Cosmograma Bakongo Nasce da Essência da compreensão de mundo dos que falam uma dentre as línguas do tronco Níger-Kongo, em especial Do Povo Bakongo.  Na década de 90 o grande pensador congolês chamado Bunseki Fu Ki.Au veio  ao Brasil trazendo através de suas palavras e presença as bases cosmogônicas de seu povo, pensamentos que por muitos séculos foram extraviados ou escondidos por causa da colonização da África e das Américas e dos movimentos do tráfico negreiro. Fu Ki.Au veio nos ensinar filosofia da raíz de um dos principais povos que participaram da formação do povo brasileiro, devido aos fluxos da Diáspora. Transatlântica. Segundo Fu Ki.Au, “Kongo” refere-se a um grupo cultural, linguístico e histórico, Um Povo altamente tecnológico, Com Refinada e Profunda Concepção do Mundo e dos Multiversos. Sua Cosmopercepção Baseia-se Num Cosmograma Chamado Dikenga, Um Círculo Divido Em Quatro Quadrantes Correspondentes às Quatro Fases dos Movimentos

Ritmos do Candomblé Brasileiro

           Os ritmos do Candomblé (culto tradicional afro brasileiro) são aqueles usados para acompanhar as danças e canções das entidades (também chamadas de Orixás, Nkises, Voduns ou Caboclos, dependendo da "nação" a que pertencem). Ritmos de Diferentes Nações de Candomblés no Brasil São cerca de 28 ritmos entre as Nações (denominação referida à origem ancestral e o conjunto de seus rituais) de Ketu, Jeje e Angola . São executados, geralmente, através de 4 instrumentos: o Gã (sino), o Lé (tambor agudo), o Rumpi (tambor médio) e o  Rum (tambor grave responsável por fazer as variações). Os ritmos da Nação Angola são tocados com as mãos, enquanto que os de Ketu e Jeje são tocados com a utilização de baquetas chamadas Aquidavis (como são chamadas nas naçoões Ketu_Nagô). " Em candomblé a gente não chama "música". Música é um nome vulgar, todo mundo fala. É um...como se fosse um orô (reza) ...uma cantiga pro santo ".  A presença do ritmo n