Na África Malinké, o Djeli:
Sabemos que a África é um continente muito grande e diverso em aspectos culturais, sociais, econômicos, políticos, linguísticos, naturais, etc. Ainda assim, tem coisas que fazem parte da ancestralidade da grande maioria dos povos africanos, entre eles a figura do "griô", seja este homem ou mulher.
A palavra griô encontra-se em crise conceitual entre mestras e mestres dos saberes populares em várias regiões da África e em regiões do atlântico negro herdeiras da diáspora africana, por ser uma palavra imposta colonialmente.
Assim, a palavra "griot" foi criada pelos franceses para referir-se à tradução do termo "dieli" (Jéli ou Djéli), palavra encontrada na África Malinké (Mandengue), que designa o cidadão que tem por missão a transmissão do conhecimento de uma tribo ou de um povo através das gerações.
Ao que parece o termo "griô" não é totalmente bem aceito entre os djelis africanos, no entanto, ela se expandiu por todo o mundo e vem sendo re-inventada através dos movimentos da grande Kalunga, como uma tradução "universalizada", graças aos processos de colonização, que não deixa de ser um processo opressor.
Assim, na língua mandengue o termo "djeli" refere-se ao Sangue, pois ambos circulam - um pela sociedade e o outro pelo corpo. Nessa parte da África um griô nasce griô, porque descende de uma linhagem de griôs. Vem de Sangue.
Na África Ocidental, incluindo Mali, Gâmbia, Guiné e Senegal, os djelies ou griôs são figuras fundamentais no cotidiano de suas tribos. Como os Mandengues (Malinkés, Bambaras), Fulbe (Fula), Hausa, Songhai, Tukulóor, Wolof, Mossi, Dagomba, árabes da Mauritânia e outras tribos.
Responsáveis por guardar e transmitir através da oralidade a história dos reis e de seu povo, os griôs são treinados na arte da palavra desde a infância por seus pais, avós, sua família e a comunidade.
Existem vários tipos de griôs na África: há os que exercem o ofício de historiadores, genealogistas, os caçadores, contadores de histórias, poetas, os artesãos, os músicos que cantam e tocam o tantã, o balafone, o ngoni, o djambê e a kora.
A origem dos griôs vem de Mali , do Império de Mandengue, onde a língua nativa era o Malinké ou Bambará. Com a colonização francesa na África Ocidental, os griôs enfrentaram muitas adversidades para manter a história e a cultura de seu povo, pertencentes à divisão da casta "Nàmàkàlá", na qual os direitos e os deveres são hereditários e referem-se a ofícios na sociedade.
Ao contar histórias, contos e poesias épicas, os griôs educam e encorajam seu povo, alimentando a memória, a consciência e o coração daqueles que os procuram, como um baú que guarda uma sabedoria ou um conhecimento acumulados em sua memória ao longo de sua vida e que tem como veículo de transmissão as técnicas linguísticas orais, física e musical.
Conta-se que em partes da terras malinké, o ciclo de educação de uma criança griô é dividido por períodos de septênios (de sete em sete anos), sendo o primeiro com a mãe, o segundo com o pai, o terceiro na rua. Conta-se que aos quarenta e dois um griô tem o direito a emitir a própria opinião e ao sessenta e três anos torna-se um transmissor. A palavra para eles é sagrada e tem o poder de trazer a cura ou a perturbação.
Assim, desde criança, o Djeli aprende a usar seu poder, mantendo-se disponível para o outro, servindo-o com histórias, investigando genealogias, conduzindo e organizando festas, cerimônias, eventos culturais e assumindo diversas funções na sociedade. Engajado em valorizar e perpetuar as raízes do seu povo (seu papel na sociedade), o Djeli é fundamental, pois fortalece a resistência cultural de um povoado, de uma vila, de uma tribo.
Contudo o djeli não exclui o estrangeiro, ao contrário, aproxima-se da cultura do outro para que o outro receba e conheça o que a sua tradição traz e o que lhe sustenta. Como um artesão da voz, o djeli tem um comportamento diferenciado na sociedade, pois o seu dever de guardar e transmitir a história de seus reis e de seu povo lhe atribui a missão de mantê-las vivas na memória e no coração do outro. Ao contar suas histórias resgata algo que com o passar do tempo pode vir a adormecer: o legado dos antepassados. Suas histórias não podem ficar guardadas e esquecidas, devem permanecer na ponta da língua e no coração daqueles que possuem a arte da palavra.
É muito comum que os griôs tenham extremo conhecimento musical.
Na cultura mandengue entre os griôs são profissões muito importantes: os Garanke ou Káraké (que trabalham com couro e/ou são sapateiros), os Nùmú (ferreiros), os Kèlé (que trabalham a madeira), os Fune ou Fina (religiosos especializados no alcorão), os Fína, Fínè ou Fùnù (os mestres das palavras, que possuem o dom da palavra).
Por fim, existem os Djèlí, Jèlíli (griôs que dispõem do dom da palavra, do canto e da música). Sendo encabeçados pelos que tocam cordas, depois os que tocam xilofone (balafone), os instrumentos de sopro (bùdùfolá, fùlanifolá e filèfolá) e os griôs que tocam instrumentos de percussão (djambés, dunumbá).
Uma das grandes habilidades de um griô diz respeito também à genealogia - deles mesmos e de famílias da aldeia. Possui uma memória de poder imensurável e são verdadeiras "enciclopédias ambulantes".
Também existem mulheres griôs, chamadas de Djelimussow, que possuem a enorme habilidade do canto e também recitam e tocam um instrumento de ferro ou uma enxada.
Também existem mulheres griôs, chamadas de Djelimussow, que possuem a enorme habilidade do canto e também recitam e tocam um instrumento de ferro ou uma enxada.
>>> No Brasil, @ Griô:
O griô brasileiro vem se inventando, sendo inventado e se reinventando.
Antes mesmo do termo "griô" começar a ser difundido no meio da cultura, da educação e até das mídias no Brasil, os griôs eram conhecidos como guardiões dos saberes populares.
Por muito tempo diversas práticas destes mestres, seja no âmbito da cultura, das medicinas ou da espiritualidade popular foram excluídas socialmente, mal vistas e marginalizadas. No entanto, tiveram papel fundamental no funcionamento das estruturas de nossa sociedade desde os tempos da invasão colonial.
Quando o padre de uma igreja não conseguia realizar uma cura ou possessão, a quem se recorria a pessoa enferma ou possuída?
"Além de oficiantes religiosos, esses personagens sabiam preparar tisanas, cataplasmas e ungüentos que aliviavam os males corriqueiros dos habitantes da colônia, eram também capazes de curar doenças mais graves como a tuberculose, a varíola e a lepra, usando os recursos da farmacopéia tradicional, participaram inclusive do combate às epidemias que assolaram a Bahia em meados do século XIX; também sabiam curar distúrbios mentais ou espirituais, usando tratamentos combinados e complexos." (fonte: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora; Revista de História da Biblioteca Nacional.)
No atual contexto em que estamos vivendo, sob a bandeira de uma ditadura política, parece haver se transformado num requisito fundamental para a evolução nacional a reflexão e valorização da presença do griô (mestra ou mestre do saber popular) na sociedade brasileira. A invasão e colonização do Brasil criou um trauma social muito grande em seu povo. Durante o processo colonial, quando violências foram cometidas contra os indígenas e posteriormente contra africanos, com a imposição de costumes religiosos e práticas culturais, muita informação, conhecimento e sabedoria foram perdidos ou calados. Tentaram enterrar a sabedoria ancestral dos povos que formaram o Brasil, mas se esqueceram que a semente que cai em terra fértil pode parecer morta, mas quando tem seu ponto de dormência quebrado, brota nova planta.
A verdadeira história não foi contada nos livros nas escolas. A verdadeira história foi passada de boca a boca, de geração para geração entre senzalas, praças, plantações de cana, minas da ouro, entre cais e portos. A verdadeira história foi contata através de metáforas e floreios de linguagem em canções de trabalho ou cantigas de ninar. Nas noites em que a fogueira ardia nas celebrações do jongo, e as palavras secretas eram pronunciadas, entre mandingas e danças, entre o cheiro de plantas e raízes de cura.
Rezadeiras, parteiras, raizeiros, bonequeiros, contadores de histórias, repentistas, curandeiros, erveiros, sambadêras, benzedeiras, músicos, dançarinas, mestres e mestras da capoeira, marisqueiras ... no Brasil o entendimento do conceito de "griô" vem se reinventando ao passo em que a sociedade vai entrando em colapso estrutural e faz-se necessário conhecer, reconhecer e exaltar as influências tribais tanto africana quanto indígena de sua concepção sócio-cultual e política.
Ao passo que nas embranhas africanas (especialmente no caso da África Malinké), um griô deve nascer de uma família de griôs para ser um griô, aqui no Brasil essa rigidez foi aquebrantada.
Ainda que muitos mestras e mestres sejam herdeiros de tradições ancestrais desde os tempos de suas avós, uma pessoa pode desenvolver sua maestria ao longo de sua vida e de suas experiências. Também importante ressaltar que, ao menos na África Malinké, a maioria de Djelis ou griôs são homens. Aqui no Brasil a mulher mestra existe em abundância e daqui para a frente sua força e representatividade será cada vez mais celebrada, já que estamos passando por um momento de transformação e questionamento do patriarcado.
Antes mesmo do termo "griô" começar a ser difundido no meio da cultura, da educação e até das mídias no Brasil, os griôs eram conhecidos como guardiões dos saberes populares.
Por muito tempo diversas práticas destes mestres, seja no âmbito da cultura, das medicinas ou da espiritualidade popular foram excluídas socialmente, mal vistas e marginalizadas. No entanto, tiveram papel fundamental no funcionamento das estruturas de nossa sociedade desde os tempos da invasão colonial.
Quando o padre de uma igreja não conseguia realizar uma cura ou possessão, a quem se recorria a pessoa enferma ou possuída?
No atual contexto em que estamos vivendo, sob a bandeira de uma ditadura política, parece haver se transformado num requisito fundamental para a evolução nacional a reflexão e valorização da presença do griô (mestra ou mestre do saber popular) na sociedade brasileira. A invasão e colonização do Brasil criou um trauma social muito grande em seu povo. Durante o processo colonial, quando violências foram cometidas contra os indígenas e posteriormente contra africanos, com a imposição de costumes religiosos e práticas culturais, muita informação, conhecimento e sabedoria foram perdidos ou calados. Tentaram enterrar a sabedoria ancestral dos povos que formaram o Brasil, mas se esqueceram que a semente que cai em terra fértil pode parecer morta, mas quando tem seu ponto de dormência quebrado, brota nova planta.
A verdadeira história não foi contada nos livros nas escolas. A verdadeira história foi passada de boca a boca, de geração para geração entre senzalas, praças, plantações de cana, minas da ouro, entre cais e portos. A verdadeira história foi contata através de metáforas e floreios de linguagem em canções de trabalho ou cantigas de ninar. Nas noites em que a fogueira ardia nas celebrações do jongo, e as palavras secretas eram pronunciadas, entre mandingas e danças, entre o cheiro de plantas e raízes de cura.
Rezadeiras, parteiras, raizeiros, bonequeiros, contadores de histórias, repentistas, curandeiros, erveiros, sambadêras, benzedeiras, músicos, dançarinas, mestres e mestras da capoeira, marisqueiras ... no Brasil o entendimento do conceito de "griô" vem se reinventando ao passo em que a sociedade vai entrando em colapso estrutural e faz-se necessário conhecer, reconhecer e exaltar as influências tribais tanto africana quanto indígena de sua concepção sócio-cultual e política.
Ao passo que nas embranhas africanas (especialmente no caso da África Malinké), um griô deve nascer de uma família de griôs para ser um griô, aqui no Brasil essa rigidez foi aquebrantada.
Ainda que muitos mestras e mestres sejam herdeiros de tradições ancestrais desde os tempos de suas avós, uma pessoa pode desenvolver sua maestria ao longo de sua vida e de suas experiências. Também importante ressaltar que, ao menos na África Malinké, a maioria de Djelis ou griôs são homens. Aqui no Brasil a mulher mestra existe em abundância e daqui para a frente sua força e representatividade será cada vez mais celebrada, já que estamos passando por um momento de transformação e questionamento do patriarcado.
“O Griô surge como uma metáfora da memória e ancestralidade do povo brasileiro, memória viva de povos que não se calaram e mantiveram vivas suas tradições e identidades em comunidades de re-existência. Griô ou Mestre(a) é todo(a) cidadão(ã) que se reconheça e seja reconhecido(a) pela sua própria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradição oral e que, através do poder da palavra, da oralidade, da corporeidade e da vivência, dialoga, aprende, ensina e torna-se a memória viva e afetiva da tradição oral, transmitindo saberes e fazeres de geração em geração, garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo. A tradição oral tem sua própria pedagogia, política e economia de criação, produção cultural e transmissão de geração em geração.”
(fonte: http://umbigofilme.com.br/val-grio/)
Acho que é necessário ressaltar aqui a importância da influência dos indígenas na criação da figura do griô brasileiro. Eram os indígenas quem mais tinham conhecimento dos segredos de nossa geografia e ambiente nos tempos da invasão colonial. Foi deles que herdamos instrumentos musicais, comida, lendas e mitos. Foi dessa mistura que nasceu nosso jeito lindo de falar as palavras.
Na Bahia nasceu o projeto "Ação Griô Nacional", criado pelo ponto de cultura "Grãos de Luz e Griô", em Lençóis, na Chapada Diamantina, que propôs em 2006 a criação de uma rede que envolveu 130 projetos pedagógivos de diálogo entre a tradição oral e a educação formal, cadastrando mais de 750 griôs e mestres bolsistas da tradição oral do Brasil. Aqui nesse link você pode conhecer mais sobre o trabalho do Grão de Luz: http://graosdeluzegrio.org.br/
A Fundação José de Paiva Netto produziu uma série chamada "Mestre e Griôs do Brasil - edição Vale do Paraíba", com vídeos de 24 minutos de duração, mostrando a atuação de mestres e griôs do Vale.
Mo Maiê, Itaparica, 2017.
A Fundação José de Paiva Netto produziu uma série chamada "Mestre e Griôs do Brasil - edição Vale do Paraíba", com vídeos de 24 minutos de duração, mostrando a atuação de mestres e griôs do Vale.
Mo Maiê, Itaparica, 2017.
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