IROKO, O CORAÇÃO DO VAZIO |
Nas caudalosas águas do Tempo lavo as pedrinhas de minha alma.
Quantas sementes já fui?
Em que terra devo mergulhar para gerar fortes raízes?
- Calma, Iroko. A Calma consegue tudo.
Foi assim que entendi que dentro das sementes escondem-se todas as pedras da memória do mundo. Tudo o que já sentimos e tocamos. Tudo o que ouvimos - Tudo está adormecido dentro de nossas sementes.
Ouço o canto dos Bambus enquanto faz-se e desfaz-se o Tempo em mim, como quem tece uma rede de sonho e encantamento.
Foi assim que, numa tarde vento, Tempo VEIO e costurou em meu peito um labirinto de clorofila, terra e seda, todinho enfeitado de flores de Iroko.
Quando me sentia estranha, gostava de passear pelos labirintos de meu peito. Sentava, tirava as pedrinhas da alma de dentro de uma trouxinha e começava a lavá-las ...
Ficava me alembrando do começo do mundo, quando nasceu Iroko, a primeira árvore, mãe da sabedoria e da magia. Nasceu e ganhou de cada ser da floresta uma pedra da memória, todos os segredos sobre o Bem e o Mal - que se agitavam dentro de seu tronco, especialmente nas noites de lua, quando se sentia em suas grossas cascas um reboliço vindo da vibração das vozes de todas as árvores do mundo.
Nesses momentos de revelação silenciosa, sentia meu corpo se retorcendo que nem os galhos de um Baobá. Como se a vida fosse uma velha história que não se terminava, mas que se enroscava, enroscava e ia se enroscando.
Sentia meu sangue transformar-se em Seiva. Saborosa como mel da palma do dendê. Aí vinha uma estranha lembrança de um sentido. Uma memória do corpo que apenas sente e quer sobreviver. Um Instinto Primordial.
Quem sempre vinha pra me ensinar eram as três avós. A Jaqueira. A Gameleira. A Jurema. Vinham e aí depois voltavam pra onde viviam antes. Antes do começo do mundo. E eu continuava a aprender a andar. Por debaixo das folhas, pelo barro, pela areia, pela terra.
E bem dentro de mim ouvia um gemido que sussurrava:
“… por essas portas devo passar para libertar-me da escravidão do esquecimento … por essas portas devo passar para libertar-me da escravidão do esquecimento … por essas portas devo passar para libertar-me da escravidão do esquecimento …”
Respirava.
- Calma, Iroko. A Calma consegue tudo.
O ar me trazia de volta ao outro lado do Mangue. Seus galhos se abriam e do meio da lama, brotavam de suas raízes as pedras da memória de sete gerações de um Tempo que já se foi.
AAAAAAAhhhh!!!!! Cada pedrinha era uma memória diferente. Tinha memória de Menina, de Pescador, de Ferreiro. De Pai, de Filho, de Costureira. De gente triste, feliz, doce e amarga. Tinha até memória de sentimentos, memória de amores!
Eu tinha que fechar os olhos para conseguir ver melhor o que me diziam todas aquelas coisas. Ficar bem encolhidinha ali. Esvaziar a mente.
Aquelas portas da memória eram Pedras do Lembramento. Lembranças de tudo o que não poderia nunca mais esquecer porque Só me lembrando poderia ajudar outras pessoas a se lembrarem também.
Senti na saliva a presença das árvores daquele jardim. Cada árvore me revelava o sabor das fibras de seus frutos – e dentro de suas sementes, os segredos das pedras da memória.
- Calma, Iroko. O amor habita no mais puro vazio do coração.
Não tema o Nada. Até mesmo uma semente é uma árvore transparente.
Mesmo que os olhos da razão digam outra coisa.
( Mo Maiê, 23 de abril de 2016)
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