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Maestro Gegê, para o Museu da Pessoa

Maestro Gegê, Mariana 

Essa entrevista foi realizada em 2002 pelo Museu da Pessoa, com o meu avô materno, Maestro Gegê Elias. Um pouco de minhas origens musicais. Sempre via meu avô absorvido pela música, escrevendo partituras, ouvindo jazz sozinho na sala de sua casa. Quando era criança, ele foi para o Pará nos visitar, levando seu pequeno teclado e montou uma banda em  dois meses. Era uma pessoa amada e querida por todos da cidade. Ainda hoje me encontro com músicos já crescidos que me contam um pouco de sua história. Infelizmente eu nunca assisti a nenhuma de suas aulas. Sentia que ele botava mais fé nos netos homens serem músicos. Talvez isso seja somente uma impressão de minha parte. Ele tinha muitos instrumentos em sua casa. Eu ficava sempre namorando os instrumentos e um dia tomei coragem e lhe pedi que me desse uma flauta transversal. Ele me disse que eu tinha que aprender a ler partitura, então me daria a flauta. Aprendi na correria a ler a altura das notas e ele me deu a flauta, um livro xerocado com alguns exercícios e me ensinou a soprar, como se tivesse um grãozinho de arroz entre os dentes ...
No mesmo ano, em dezembro, ele fez sua passagem para o outro plano. Se tornou um ancestral, porque sua vida foi doação à música e  à comunidade de Mariana.


O Museu da Pessoa é um museu virtual e colaborativo fundado em São Paulo no ano de 1991. Desde sua origem, tem como objetivo registrar, preservar e transformar em informação, histórias de vida de toda e qualquer pessoa da sociedade. Nosso acervo conta atualmente com mais de 16 mil depoimentos em áudio, vídeo e texto e cerca de 72 mil fotos e documentos digitalizados. 


Identificação 

Meu nome é Geraldo Elias Martins, muito conhecido por seu Gegê. Nasci no dia 16/5/1929 na cidade de Acaiaca. Hoje é município, mas pertencia a Mariana, era distrito de Mariana. Esse apelido é de família, desde pequeno. Aqui em Mariana se você pergunta: “Onde é que mora o seu Gegê?” Todo mundo conhece. Não tem esse nem aquele. 

Origens 
Meu pai chamava-se João Elias e a mãe Carmelita Martins. Ambos falecidos. Ele era de nacionalidade síria, chegou no Brasil com 14 anos de idade. Foi direto para Acaiaca, onde criou a família dele. Minha mãe é natural de Acaiaca mesmo. Filha do Professor Martins. Meus avós por parte de pai a gente não tem, ele chegou praticamente sem documentação. E da minha mãe, meu avô chamava Professor Martins, Antônio Gonçalves Martins. E a minha avó Antônia Gonçalves Martins. Bom, o ano que meu pai chegou da Síria eu não sei. Mas ele estava com 14 anos de idade. E lá na terra dele, naquela região ali, é uma guerra constante. Até hoje ainda está com aquelas guerras. Ele estava justamente fugindo, ele e mais uns irmãos fugindo dessa guerra. Porque nessa ocasião e hoje também, menino fez 8, 10 anos já está sendo militarizado, treinado para as guerrilhas. E a família dele já tinha um tio aqui em Acaiaca e escreveu para a Síria que eles viessem. Deu o endereço certo tudo direitinho, então eles vieram. Ele veio com os irmãos dele. Era ele e mais dois irmãos. O Miguel e o Abraão. João Abraão e Miguel. Na primeira brecha que tiveram, eles mudaram para cá. Ficaram em Acaiaca, na casa do tio Jorge Rouco, porque a voz dele era grossa. O lugar chamava Bodega. Era para baixo de Acaiaca um pouco. Mais perto de Barra Longa, hoje é Santo Antonio do... Ah, eu não me lembro mais não. Mudaram o nome. Meu pai faleceu com 75 anos. Quer dizer que ele deve ter chegado aqui mais ou menos que ano foi? Com 14 anos... Ele faleceu no dia 19/12/1959. Ele chegou no começo do século. Mamãe morreu eu estava com três anos incompletos. Da minha mãe não lembro nada dela. Uma pequena lembrança é da nossa casa, um sobrado. Lembro de uma aglomeração, muita gente em casa e ia saindo um caixão. E isso não me saiu da memória. Até hoje ainda fica. Mas não tenho lembrança nenhuma dela. Nada, nada. A conheço por fotografia. Uma semana antes de ela falecer o meu pai juntou a família toda e tirou uma fotografia. Ela estava esperando neném. Justamente esse menino que ela morreu de parto. Foi em setembro que morreu. Quer dizer que eu não tinha ainda completado três anos. É mais ou menos nessa época. Quer dizer, meu pai foi para mim pai e mãe. Ele que me criou. Lembro-me que quando tirei meu diploma de quarto ano, naquela época era quarto ano, quarta série, ainda dormia no canto da cama dele. 

Costumes 
A convivência foi muito boa. Porque aqui em Mariana tinha muitos sírios na época. Sírios, libaneses e tal. E eles tinham uma convivência saudosa da terra. E ia tudo para Acaiaca junto. Aí reunia, meu tio tocava flauta muito bem. Essas flautas deles lá. Que a gente não percebe quando estão tocando. Toca toda vida aquele tema “ru-ru-ru” aquela música deles. Aí o que eles faziam? Eles matavam carneiro, matava cabrito e ficava cantando naquela enrolação da língua deles, e nós não aprendemos. Nenhum de nós fala o árabe, aquela língua deles. Mas a cantarola e tudo a gente participava. Eu ainda tenho uma musiquinha no ouvido até hoje. Que gostavam muito de cantar. Eu não guardei a letra. O negócio é mais ou menos assim: (cantarola) “lá, lá, lá, lá, lá, raí. Lá, ri, lá, rá, ri, ruai. Lá, lái, lá, ri, lá, ruai, lá, raí, lá, li, lá, ruai. Lá, lai, lá, raí, lá, raí, lá, li, lá, ri, lá, ruai. Lá, ri, lá, ri, lá, ruai, lá, ri, lá, ri, lá, ruai. Lá, ri, lá, ri, lá, ruai”. O outro falava: “Lá, ri, lá, lá, lá ri, lá, rá.” “Lá, raí, lá, raí, lá, raí, lá, raí, lá, ri, lá, lá, ri, lá, lá.” Era um povo muito alegre. Alegria total. Então a gente ficava assim. Eu que gostava de música desde de pequenininho ficava assim no meio deles, perdidão, cinco, seis anos. E não perdia uma visita deles lá. Para nós era uma festa. Reunia todo mundo lá. Uma vez por mês, sempre reunia lá. Com as mulheres e os filhos. E tinha em Acaiaca além dos meus tios e meu pai, tinha os que vieram com eles. Vários. Família Meu pai era comerciante. Primeiro ele chegou como mascate. Mascateando. Assim: enchiam a malinha de mercadoria e saiam vendendo, para as roças, de casa em casa. Então eles falavam mascateando nas casas. Esses ambulantes que hoje falam. Aliás, até o comércio persegue muito. Porque o comércio paga imposto e os camelôs não pagam. Não é assim? O Silvio Santos não começou assim também? Pois então, eles começaram assim. A mercadoria vinha do Rio, São Paulo. Levava dois, três dias para chegar lá, porque vinha com outros. Depois eles começaram a estabelecer comércio, enviar mercadoria. Vinha no lombo de burro, porque a estrada de ferro ia até Mariana apenas, depois que eles inauguraram espichou até Ponte Nova. Mas antes era lombo de burro. Antes para ir pra Ponte Nova tinha que passar em Acaiaca. Ele mascateava na zona rural de Acaiaca, sempre foi muito grande nas fazendas e por lá mesmo hospedavam. Agora imagina esse povo é muito inteligente. Porque a língua deles é completamente difícil, eu não aprendi não. E eles aprenderam a nossa língua. Fala tudo errado, mas de qualquer maneira eles se comunicavam com o pessoal que ia vender. Chegava, trocava por mercadoria. Porque às vezes a pessoa não tinha dinheiro, trocava por ovos, galinha, essas coisas assim. Faziam qualquer negócio. Então estabeleceu o comércio. E nessa época Acaiaca deu a exploração de ouro. Dava muito ouro. Era uma região de muito ouro, diamante, muito rica. E por isso o comércio ficou muito ativo também. Tinha dia de matar 18 porcos para o pessoal consumir. Era muita gente. Era um movimento doido. Tinha tudo. Eram secos e molhados. Tinha de tudo menos bebida. Bebida não vendia não. Ele era um cara muito estourado e não tolerava pinguço de jeito nenhum. Então não vendia pinga. Mas não adiantava nada. Comprava do outro e ia chatear ele lá. Quer dizer, que além de não pegar o dinheiro... Secos e molhados eram: arroz, feijão, banha de lata e banha de porco também, que ele matava porco, conforme eu estava falando. E rapadura, essas coisas que as donas de casa sempre precisam. Sal, açúcar, isso aí tudo, tudo é secos e molhados. E depois ele começou a botar tecidos também. Ampliou para tecidos, ferragens. Na Bodega ele tinha um colega, Anísio, de um lado e tio Jorge do outro. Eram os dois comerciantes. Um tinha uma rivalidade com o outro. Sempre tinha. Aí tio Jorge era desses que não vendia fiado, para ninguém. Então o que ele fazia? O sujeito ia comprar uma rapadura falava assim: “Eu já te falei que não vendo fiado. Toma o dinheiro vai lá no Anísio e compra a rapadura que você quer”. Quer dizer, não vendia fiado, mas dava o dinheiro para o outro comprar. Para assegurar aquela posição de não vender fiado. Ele não casou de novo. De maneira que a minha irmã pegou a menor, um ano mais nova que eu, ali era uma escadinha, também e trouxe aqui para Mariana e criou, a Marília. Hoje é Diretora aposentada. Eu fiquei com a outra irmã mais velha, a Marta. Os outros meninos ajudando meu pai no comércio. Os dois meninos eram estudantes. Éramos 10 irmãos. E agora temos uma morando em Ouro Preto, um mora em Belo Horizonte e o outro mora em Acaiaca. Eu em Mariana. Então somos quatro. Não éramos só 10 irmãos, não. Seis irmãos e quatros irmãs. O irmão do meu pai, o Miguel faleceu. Tinha um sítio, uma fazenda. E era pai de oito filhos e viúvo. Então o que meu pai fez? Em vez de vender o terreno para aliviar as dívidas, pagar as dívidas etc, não, trouxe os meninos todos para casa. E nós ficamos em 18. E tinha um comércio em Acaiaca. Ele largou a minha irmã mais velha, a Mariana, que é mãe do padre Zezinho e foi lá para. Foi para Páscoa, o nome da fazenda que chamava lá. E a Mariana ficou cuidando do comércio. Era mais velha. Nessa altura ele conseguiu pagar as dívidas todas do irmão dele e voltou com os meninos todos para lá. Todos cresceram e deu a cada um seu pedaço de terra. Mas agora só tem uns dois lá também. Os outros foram para Sorocaba. Mudaram para lá, o Tiago mudou e levou alguns junto com ele. Eu e meus irmãos éramos muito ligados. Os irmãos eram tudo, tinham muita amizade com a gente. Todo mês eles iam ao seminário me visitar. Talvez seja até isso. Eu tinha uma saudade, nunca tinha saído de casa. Onde eu dormia? Ao lado do meu pai. Era muito apegado com ele. De maneira que eu tenho uma tristeza quando lembro que ele faleceu. Porque ele faleceu em Belo Horizonte de repente. Sabe o que estava fazendo? Ele foi comprar Papai Noel para os meninos, netos dele, filhos da minha irmã. Que ele morava com ela. Faleceu de repente, um transtorno. Agora por que é que eu guardo a data? Porque nesse ano eu ganhei a minha caçula. A Denise. Eu fui obrigado a pagar um médico para ficar com minha mulher lá de plantão até que o corpo do meu pai chegasse em Acaiaca. Ih, aquilo foi um quadro triste. E quatro dias depois a menina nasceu. Ela nasceu no dia do Natal. Presente de Papai Noel. Você vê, morreu dia 19, dia 24 ela nasceu. Foram cinco dias. De maneira que só tenho que agradecer a Deus a família que a gente conseguiu. Tanto os irmãos, primeiramente meus pais, e meus irmãos. Que até hoje nós temos aquela ligação, aquela amizade. Há uns dois anos atrás eu tive um infarto. Largaram tudo que tinham para ficar assim do meu lado em Belo Horizonte. Os meninos todos. É muito bom. A família é a base. Se não tiver família... Infância Eu gostava de fazer artes. Tudo de arte. Tudo. Uma ocasião meu primo me chateou muito e tal. Eu estava com um bodoque na mão matando passarinho. Ele foi lá e tocou o passarinho, já estava na mira. Sabe o que eu fiz? Não tinha juízo não Tinha na faixa de 7 anos. Peguei a atiradeira e toquei a pedra na nuca dele. Meu pai quando soube disso me botou de castigo o dia inteiro. Fiquei no quarto fechado. Outras brincadeiras que gostava demais, era de fazer bandinha. Eu tinha minha banda particular. Desde pequeno. Juntava aquela garotada toda e cada um tinha um instrumento. Uma lata um e eu fazia também um xique-xique. Furava aquelas latinhas pequenas e fazia. Mas minha cabeça não está muito boa também. É um pau, um gancho, mas tinha árvore específica de gancho para a gente tirar para fazer o bodoque, a atiradeira. Então o que é que eu fiz? Eu botava um arame aqui e entrelaçava as coisas assim e segurava e fazia xique-xique. E depois mamão, ia ao pé de mamão cortava e fazia flauta. Às vezes fazia para eles. Mamona também dava. E saía todo mundo marchando e eu na frente. Entendeu? Já era o maestro. Desde pequenininho. Eu pegava a minha flautinha de mamão, sempre maior. Porque o maestro tem que ser a coisa especial. Aquela flauta maior que eu pegava o talo maior do mamão e fazia uma caprichada para mim. E saía marchando. Saía abaixando a turma. 

Educação 
Naquele tempo eu era muito novo, ficava só por conta de escola e fazer arte. Nessa ocasião eu estava com 10 anos. Quando eu tirei a quarta série, minha irmã cismou que eu tinha que ser padre. A maior paixão dela é que eu tinha que ser padre. Nessa altura já era casada e morava aqui, em Mariana e me trouxe para a casa dela para fazer a preparação. Então com 11 anos eu vim direto aqui para Mariana para me preparar para entrar no Seminário. Tinha que fazer um curso. Uma coisa assim. E as matérias exigidas eram Religião e Matemática, Aritmética que falava, e o Português. O nosso lugar era muito pequeno não tinha... A religião era muito limitada, então eu vim para estudar essas três matérias. Eu me lembro que a irmã Realina foi minha professora de religião, na capelinha Santo Antônio. Ainda existe a capela em Mariana. E acabei estudando, não chegou nem cinco anos não, quatro e pouco. Eu resolvi que esse negócio de padre, para mim, não ia dar certo não. Tem que ter vocação, se não tiver vocação não dá não. Mas Deus foi muito bom para minha irmã, porque atendeu sua vontade e o filho dela foi ser padre. O conhecido Padre Zezinho. Hoje está aqui em Belo Horizonte. É Vigário da igreja São José. José Raimundo Vidigal, o chamam de Padre Zezinho. No nosso tempo, no Seminário tinha até uma bandinha dos seminaristas. Porque fazia parte do currículo. Que eu não sei por quê o Governo não inclui. Porque a música ajuda muito o estudo. Aumenta o intelecto da pessoa. Facilita demais as outras matérias. Porque muita gente fala que a música é muito difícil. Não é difícil. Mais difícil é a língua portuguesa. Você estuda a nossa língua todo tempo e nunca aprende. Você pode dizer que você é bom em português? A gente sem querer comete uma gafe. Um emprego mal de um pronome, um emprego mal, por exemplo: “eu gosto de lugar que tem menas gente”. Eu estou cansado de ouvir isso. Não é assim? Quer dizer, é um erro que pouca gente sabe por quê é que está errado. Quer dizer, esses tipos de erro a gente escuta até em televisão. Aquele pessoal que trabalha em televisão, a gente observa isso, eu escuto. A língua portuguesa é muito mais difícil do que a música. Agora tem uma diferença: a música você estuda a vida toda e você não aprende a música total. Você nunca pode falar: “Eu sou músico”. Não. Quem falar: “eu sou músico” é o maior mentiroso. Porque quem foi músico mesmo foram os gênios. Eles foram. Pois a vida de Mozart, não sei se vocês já viram o Amadeus? Aquele filme Amadeus. Desde os cincos anos que esse menino compunha. Quer dizer, é um gênio. Esse, Deus colocou na terra, porque tudo de nossa obra, tudo é Deus. Se ele não quiser, nada feito. A nossa patrona é Santa Cecília. Por quê? Ele que indicou a Santa Cecília, a patrona dos músicos. E quer dizer, os gênios podem falar: “Eu sou músico”. Agora atualmente eu não vejo nenhum gênio. No Seminário nós tínhamos um coral. Na época um padre... o nosso seminário era dirigido por padres lazaristas. E cada matéria tinha um padre específico. Português um, e assim por diante. E o nosso diretor, na época que estava lá, se chamava Padre Lázaro. Hoje é Dom Lázaro. Já é Arcebispo. Eu não acompanhei totalmente a vida dele não. Mas naquele tempo era um exímio musicista e fundou um coral com o nome de Dom Helvécio. Que era o nosso Arcebispo na ocasião. Era Bodas de Ouro dele, sacerdotal. Então para prestar uma homenagem criou-se um coral com o nome de Coral Dom Helvécio. E entre nós seminarista, que eram muitos, escolheu aqueles que tinham mais entoação. Um bom ouvido. Porque o músico já nasce com o ouvido absoluto que nós chamamos. E dentre esses, eu fui, eu participava. Mas no Seminário não cheguei a aprender nenhum instrumento. Peguei instrumento em casa, com meus irmãos. Eu tinha o quê naquela época? Estava com uns 13 anos. E desde essa data eu acompanho, sou estudioso de música e até hoje ainda estudo muito. Até porque tem uma turma da Secretaria de Cultura de Mariana que estão lecionando curso para os regentes. E eu inscrevi a turma toda. A minha turma é 55 atualmente. Sem contar os aprendizes, a nossa escolinha é contínua. Conforme eu falei a banda sempre renova. E se não tiver a escolinha a banda desaparece. Como desapareceram muitas. Mas então a gente vai acompanhando. Quer dizer, o músico para ser bom músico, tem que estudar sempre. Não vai dizer que ele já sabe porque não sabe. Sempre tem uma novidade. Então esses cursos que vêm para cá sempre trazem muitas novidades para nós, que não frequentamos o conservatório que eles tem, transformado em universidade também. E a gente tem que ficar sempre reciclando. 

Adolescência 
A vida do seminário era muito boa. Era interno. No mesmo dia que você chegasse, tinha que estar com a batina, com a roupa de cama, tudo com os nomes. Nomes gravados. Naquele tempo bordavam as letras. Se você quisesse jogar futebol, tinha que jogar futebol com batina. Você enfiava a mão, tinha um bolso falso, pegava a aba da saia e puxava. Aí você corria atrás da bola. Se você quisesse ir para casa, ocasião que eu perdi a minha avó, já estava no terceiro ano, eu e meu primo Padre Zezinho, nós fomos para Acaiaca de batina também. Não tirava a batina para nada não. Só tirava a batina nas férias de dezembro. Nesse período de dezembro até fevereiro, nós tínhamos as férias prolongadas. No meio do ano tinha férias, mas ninguém saía de casa não. Se saísse tinha que sair de batina. E naquele tempo se o seminarista não tivesse vocação não continuava. Que a coisa era disciplina. 

Primeiro trabalho 
Fiquei cinco anos no seminário, e meu pai falou assim: “Bom, já que você não quer estudar...” Pelejou pra eu vir a Ouro Preto, “À toa você não vai ficar não. Vai trabalhar com seu irmão na farmácia”. Meu irmão já tinha botado farmácia e tudo. Aquele tempo tinha duas farmácias, tinham dois médicos. O lugar estava movimentado mesmo. Muito mais do que hoje. Hoje a cidade não tem tanto meio de vida igual tinha. E nessas alturas comecei e trabalhei com dois anos na farmácia. De modo que entendo um pouquinho de farmácia. Aí meu pai falou assim: “Bom, agora está na hora de você ter o seu comércio”. Que eu sempre falei para ele. Então botou uma venda para mim no mesmo estilo da dele. Mesma coisa. Nessa altura meus irmãos também já eram comerciantes e eu fiquei com o comércio. Então não trabalhei na Bodega, trabalhei em Acaiaca no comércio. Lá meu pai não dava folga não. Os meninos, meus irmãos, um formou aqui na Escola de Farmácia em Ouro Preto e por sinal foi o único formando no ano. Não teve nem festa de formatura. Foi só ele. O resto todo levou pau. Ficaram de segunda época, que falava na época. Então não houve festa de colação de grau nem nada. E o Elias estudou Odontologia em Belo Horizonte. E os outros não, os outros não quiseram estudar. Ficaram com meu pai. Ele comprou uma máquina de beneficiar café, botou um dos outros filhos lá. Os outros botaram no comércio. Um foi ser alfaiate e foi assim, distribuía tudo. As meninas, as minhas irmãs eram todas dentro de casa, ajudando. Cada um tinha uma ocupação. 

ACAIACA 
Acaiaca, nossa cidade, não era uma cidade conforme falei, era um distrito. A rua principal toda era nossa família. Os meninos foram casando foram constituindo família, ficou uma rua toda. Nós chamamos de Rua São Gonçalo até hoje, porque é o padroeiro de lá. E depois foi aparecendo outras famílias também. E hoje nós temos até um jogador de futebol. Estava no Cruzeiro. É o Giovanni, aquele que jogou no Cruzeiro. Jogou na seleção dos jovens também. Hoje está no Barcelona. Sabe quanto ele ganha lá? 200 mil por mês. Também já fez uma mansão para o pai dele. Por isso que eu falo, a vida no interior é boa por isso. Porque a gente pode estar com um dinheirão e tal e não esquece da família. Ele sempre está aí. Sai da Espanha para visitar os pais. E é reconhecido. 

Casamento 
Casei novo. Casei com 21 anos incompletos. Eu ia completar 21 anos em maio, casei em março. Mas eu não me arrependo não. Eu comemorei meus 50 anos de casado. Fizemos Bodas de Ouro. A família toda aí. Os filhos todos. De modo que é muito bom casar novo. Eu convivi, já tive essa experiência. Minha esposa Lívia. Ela era muito bonita. Ela está aí. Eu é que falo assim. Eu também já fui assim mais apanhado. O DNA complica tudo, meu filho. O problema do homem é DNA. Data de Nascimento Avançada. Isso é que não tem jeito. Mas não tem como a gente sair. A Lívia é de Barra Longa. Eu andava quatro horas a cavalo para namorar. Meu irmão que tinha ido lá e descoberto uma... A família toda é de moça bonita. Foi ele que começou. E com isso, quatro irmãos casados com quatro irmãs. Abaixamos a barraca lá e todo mundo. O pai dela a princípio, o primeiro não fez muito gosto não, porque Zezé, o mais velho, farmacêutico, era tido e havido como desses farristas mesmo. Um músico extraordinário. Muito difícil encontrar um músico igual a ele era. E saía por Ouro Preto nessas ruas aí fazendo serenata e namorava Deus e o povo. E essa fama corre. E é músico. E foi um custo para ele aceitar. Quer dizer que a primeira vez foi difícil. Agora os outros, não. Viu que deu certo. A família começou, nós fizemos ele vender a fazenda lá e veio morar em Acaiaca. Montou uma casa lá também. De lá foi para Belo Horizonte e ele morreu. Faleceu. Ele foi casado duas vezes. Tem filho demais. A família dele é muito grande. Mas parente é assim. Bom, o meu casamento foi muito simples. Eu vou lhe contar o que aconteceu. Nós casamos na residência. Na casa onde nós nascemos e que morava um irmão que era casado com a irmã dela. Casamos nessa casa. Mas até hoje chateiam muito, porque esse negócio geminado. Você saltou sete córregos para vim casar com ele em Acaiaca? Porque eles moravam na fazenda ainda. Chuva adoidada. Aquele tempo chovia muito e precisou do irmão mais velho dela botar ela nas costas para saltar córrego. Para passar com animal foi um Deus nos acuda. Mas casamos. Tudo bem. A nossa lua-de-mel seria em Belo Horizonte. Porque todos os irmãos foram em Belo Horizonte, Santa Tereza Hotel. Para ninguém seria outro. Tinha que ser ele, todos os quatro. Mas só eu que dei azar. Eu fui para lá também, mas fui depois. Eu dei azar. Não, ela que deu azar. Só existia trem de ferro. Não existia esse negócio de ônibus, não. Existia estrada, ônibus não. Nós pegamos o expresso em Acaiaca para ir direto para Belo Horizonte. Quando chegou antes da primeira estação que chama Furquim, naquele tempo era Edgar Werneck, era uma meia hora de trem, era distante, o expresso parou. Nós perguntamos assim: “O que aconteceu?” Tinha... Como é que chamava? O chefe de trem. Eu não sei o nome dele, porque tinha um nome diferente. O chefe de trem falou assim: “Olha, caiu uma pedra muito grande na linha e nós vamos ter que passar a noite aqui. Porque não tem como prosseguir”. Mas Deus ajudou os outros. Porque nós não Nós estávamos por conta mesmo. O guindaste chegou depressa de Mariana e conseguiu tirar a pedra. Nós seguimos viagem. Mas quando chegou aqui em Ouro Preto fomos obrigados a parar, porque estava de madrugada. Fomos nos hospedar no Hotel Toffolo, na Rua São José. Passamos a noite aqui e no dia seguinte pegamos o primeiro trem para Belo Horizonte. E lá ficamos a semana no Santa Tereza Hotel. A noite de núpcias foi em Ouro Preto. O resto eu não vou te contar não. Isso aqui está muito sério. Eu tenho certeza que vai rir. E tem que ser com Lívia. Porque não sei se ela vai autorizar. Que depende da autorização dela. 51 anos atrás vai fazer agora no mês de março. Aliás, mês de março já fez 51 anos. Já estamos partindo para o 52. Casei-me e quando vi, já estava com 7 filhos. Um filho cada ano. Não é brincadeira não? Lá na roça não tinha televisão, não tinha nada. Fazer o quê Belchior? Não tinha nada. Ficou aquela escadinha. Depois vocês vão ver a fotografia deles. E o que acontece? Houve um edital de concurso para Cartório. Peguei, me inscrevi e passei direto, porque eu tinha muita base do seminário. E é aonde eu agradeço muito esse período, porque foi de formação, onde eu consegui formar minha família como ela é. Uma família maravilhosa que nunca me deu problema. Os nossos meninos foram todos criados naquela avenida aonde eu moro, Avenida Manoel Leandro Correia. E infestado de viciados, drogas e tudo, que eles nunca experimentaram. Nem experimenta. Porque eu olhava para eles assim, já sabem que eu estava insatisfeito, separavam logo das amizades ruins. Eu acho que o problema de drogas prolongou-se nessa época, por responsabilidade exclusiva dos pais. E dos nossos formadores, a formação escolar também. Houve um certo cochilo do professorado, dos diretores. Sabe que o maior foco de venda hoje onde é? Na porta dos estabelecimentos escolares. É lá que põe a barraquinha deles para vender. Isso tudo a polícia está vendo, todo mundo está olhando e ninguém está incomodando. Por quê? Porque a coisa está vindo lá de cima. 

Família 
Eu tenho um filho músico, mas é conforme eu falei. Não tenho nenhum músico de banda. O Haroldo, que trabalha na Samarco, tem muita facilidade de se expressar musicalmente. Toca teclado, violão. Sueli também toca violão. E outros que não tiveram oportunidade estão tendo agora, que os netos estão obrigando. Tenho até um filho, o Lívio, que me joga isso na cara todo dia. Fala assim: “Olha, eu não sou músico porque o senhor é culpado”. Eu falo assim: “Eu? Mas por que eu sou culpado?” “O senhor se lembra aquele dia que eu comecei a estudar, que não aprendi a lição? O senhor falou que eu não levava jeito? Pois a partir daquele dia eu larguei, não peguei no instrumento”. Quer dizer que aquilo serviu de lição para mim. Hoje estou vendo um perigoso ali que não vai aprender mesmo. Eu sei que ele não vai aprender, mas não falo com ele de jeito nenhum. Porque toda vez que eu vou pensar em falar, lembro do Lívio: “Não, eu estou tirando a carreira às vezes de um futuro músico”. E o filho dele é um senhor músico. Uma facilidade danada de aprender. Está vendo como é que são as coisas? O filho da Sueli também a mesma coisa. De maneira que agora eu aprendi essa lição e passo também para os monitores: “Não vai falar para o Fulano que não leva jeito. Vai fazer outra coisa, vai jogar futebol. Mas música você não vai aprender”. Não fala isso não. Os nossos filhos? Vou começar pelo mais velho, trabalha na Vale Itabira, na administração. Administrativo. o Lívio. O Haroldo trabalha na Samarco, é engenheiro. Tem 10 anos, já recebeu o relógio dos 10 anos. A Samarco é uma empresa muito organizada e olha muito para esse problema do trabalhador. Dá o valor. Valoriza o empregado dela. Ele esteve durante três meses no Japão e na China fazendo esse percurso dos compradores de minério. E agora recebeu uma proposta, como ele falou: “Pai, essa proposta é irrecusável. O senhor está sentado?” “Estou”. “Então eu vou dizer para o senhor o que eles me ofereceram”. De fato é. Eu falei assim: “Ô, meu filho, você está pensando o quê?” “Não, eu estou perguntando qual o pensamento do senhor?” “Ô, Haroldo, se eu tivesse o pensamento do seu tio, eu não saía de Acaiaca. E hoje eu não seria aquilo que sou. Quer dizer que eu não recebi proposta nenhuma. Eu apenas recebi uma nomeação do governador e acreditei naquela profissão. Os primeiros meses foram difíceis. Adaptação de família. E os meus colegas não tinham esse negócio de distribuir escritura. Custava a pingar uma escritura para mim. Eu tive dificuldade. Agora hoje não. Hoje todo mundo me procura. Procura não, procura o Cartório que está com o seu irmão lá, que continua fazendo a mesma coisa que eu fazia: tem dinheiro, paga, não tem, o que tem paga pelo que não tem. Quer dizer que ele faz a caridade dele, da mesma maneira que a gente fazia. É por isso que o Cartório é sempre procurado. E outra coisa é a capacidade também?” Bom, eu já disse, o Haroldo agora vai para a China. Vai morar por dois anos, com a família. Agora eu falei com ele: “Você vai ter dificuldade. Por quê? Empregada vocês não vão poder levar. Você leva uma empregada ela não vai se adaptar lá. Como é que você vai arrumar dinheiro para pagar uma passagem para ela. Porque você vai ganhar e vai embora. Então você tem que arranjar pessoas lá. Você tem que procurar professor para os seus filhos, todos os dois. A Adriana domina o inglês bem, a esposa dele, que é engenheira também. Engenheira civil vai ter que abandonar os amigos dela e fazer novas amizades. Tem que estudar o inglês. Tem que ter professor também. Adaptar a vida que é completamente diferente. É verdade que você tem uns amigos lá, mas nos primeiros meses você vai ter dificuldade. Mas eu no seu lugar não pensava em dificuldade não. Você pensa no que você vai poder dar aos seus filhos. Daqui dois anos. Dois anos passa rápido. Dez anos não passaram rápido, que você está na Samarco? E dois é uma parcela de 10. Então vai passar rapidinho. Não precisa pensar não”. Então nós fomos lá mais é para isso, para animá-los. Estivemos uma semana com ele. Está trabalhando em Ubu. De maneira que vai passar para Gerente de Vendas, Gerente Geral de Vendas. Ordenado, no meu modo de entender, ordenado fabuloso. Coisa que eu nem sonhava em ter algum dia. Olha que minha aposentadoria é boa. Eu não posso me queixar não. Dá para tratar da família, ajudar os meus amigos que precisam da gente toda hora. E ainda sobra uma poupançazinha bem boa. Quer dizer, e o dele? Ele vai poder ajudar muita gente. Foi isso que eu expliquei para ele. “Não deixa isto subir na sua cabeça. Você pode ajudar muita gente que vai precisar”. Bom, o Zé Eustáquio, logo em seguida, hoje é Bacharel em Direito, mas não exerce a profissão não, porque está no Cartório. Segundo Ofício. Porque eu me aposentei. Eu exercia a parte de tabelionato e parte processual. Eu me aposentei processual e esta lá como tabelião. E veio a Maria Luiza, a minha filha mais velha, ela é aposentada pelo INSS, mas contratada de novo, porque eles gostam muito dela. Aposentou-se nova, pode muito bem prestar serviço, tem dois filhos só. E os dois, um vai fazer 21 anos ou já fez, estão formados. E a outra, Sueli trabalhava na Minascaixa, depois mudaram para Itabira por causa do emprego do marido. Largou a Minascaixa. O marido trabalhava na Vale. E a Samarco fez uma proposta boa para ele, veio para Mariana. E Sueli foi trabalhar no cartório com o irmão dela. Os dois trabalham lá. A Marli trabalha na UFOP, secretária da administração. Trabalha na administração. E a outra caçulinha, Denise, está em Itabira com o marido que trabalha na Vale. Antes trabalhava na Prefeitura. Ela está pensando, recebeu um certo convite, mas não sabe se vai aceitar voltar, por causa do problema do marido. Se ele conseguir uma transferência para cá, ele vem. Eu já não interfiro nos problemas, porque eles já compraram casa lá. É a vida. E hoje eu estou vivendo apenas com a minha amada, Dona Lívia. Já vivemos, fizemos três casamentos. O primeiro quando nós éramos brotinhos. O segundo com 25 anos de casados. E o terceiro com 50 anos de casados. Bodas de ouro. Bodas de prata. E hoje nós estamos vivendo nossa lua-de-mel, eternamente. Espero viver muitos anos com ela se Deus quiser. Trabalho Na época que eu me casei, tinha o comércio. Era independente. Já tinha minha reserva de dinheiro, entendeu? Tinha dinheiro em caixa. E nós éramos muito controlados. O que meu pai passou, não queria que os filhos passassem. E ele ensinou como é que a gente fazia o haver. O débito com o haver. Então o haver tinha que ser mais do que o débito. O que ele ensinou para nós é isso. Hoje não, a pessoa compra um objeto sem saber se tem dinheiro. E está comprando agora, depois dá um cheque desses que vão e volta toda a vida. Vai e volta, às vezes dá até cadeia. Agora não dá mais. Mas teve uma época que dava cadeia. Hoje é tão simples dar um cheque sem fundo. Mas no nosso tempo não tinha isso não. A pessoa só comprava se tivesse dinheiro em caixa. Se não tivesse, não comprava não. A não ser aquele fiadinho bobinho, que a gente perdia mesmo. Um pobre que queria uma rapadura. Vou negar? Não é possível. Levava a rapadura para pagar. Pagava nada. Não tinha dinheiro para pagar. A vida foi sempre assim. E eu criei a minha família dessa maneira. A minha esposa me ajudava muito no comércio. Depois eu fiz o concurso em 1963 - que eu casei em 1951. Em 1962 comecei a mexer com Cartório e ela continuou com a loja. Transferi para Mariana. Tomei posse no Terceiro Ofício, Cartório. E meu colega faleceu, o Terceiro Ofício extinguiu. Ficou só o Segundo Ofício. Ainda é até hoje. O meu filho advogado, Bacharel em Direito, está lá no Cartório. Eu me aposentei no Fórum. Como gerente do Fórum. Trabalhei 35 anos. Escrivão. Não é brincadeira não. Quando deu 70 anos me aposentaram compulsoriamente. Tribunal de Justiça é assim: completou 70 anos, mesmo que não queira tem que aposentar. Em 1969 eu mudei para Mariana por causa do Cartório. Porque eu tinha passado no concurso e minha nomeação tinha saído. E Lívia veio antes com a família para adaptar, essas coisinhas. Ela veio para cá em 1968. Transferi o comércio para Mariana. Mas quando chegamos aqui, vi que ela não ia aguentar. Aí vendemos o fundo da loja para outro comerciante. Que ia ficar pesado. Porque os meninos já estavam na fase de escola. Só a caçula estava com 3 anos. Era novinha ainda. Então eu ainda fiquei muito sentido com ela, porque pegou uma correntinha de ouro que foi de minha mãe, e tinha como lembrança dela. E ela tinha uma cachorrinha e botou nela. Só sei que eu nunca mais vi a corrente. Nunca mais, mas não podia contrariar. Eu nunca contrariei meus filhos não. Nunca. Ela saiu passeando com a cachorrinha. Alguém gostou da corrente: “Ó, mas que cachorra bonita”.Que cachorra nada. Queria ver aquela pulseirinha de ouro maciço. Ouro antigo. Mas então a história foi essa. Eu transferi para Mariana a minha família que já estava se adaptando. Com casa alugada, aquela dificuldade que você sabe. 

Mariana 
Mariana era uma cidadezinha tão gostosa que a nossa avenida era uma estrada de terra. Uma avenida que nós chamávamos de Antonio Poeira. Chamava Antonio Pereira. O carro quando passava era aquele poeirão que ninguém aguentava. Da gestão do prefeito Euclides Vieira de tanto a gente falar com ele: “Ô Euclides, como é que é? Isso vai virar toda a vida essa Antonio Pereira. Você está mudando o nome da avenida para Manoel Leandro Correia como é que vai ser?” Mas ele calçou todinha, aquele negócio. Ficou uma avenida bonita. Até hoje ainda é. Virou Avenida Manoel Leandro Correia, não é Antonio Poeira mais. Mas aí os filhos foram crescendo, vários casamentos, daqui e dali. E formamos todos graças a Deus, formamos todos eles na universidade. Inclusive tem uma trabalhando como te falei na UFOP, secretária administrativo de Mariana. E tenho um genro que também trabalha na UFOP, Geólogo. 

Atividades paralelas 
Você acredita que quando eu saí do Seminário, lá que eu comecei a estudar música, meus irmãos já tinham o conjunto deles, de fazer baile essas coisas assim. Chamava Independente Jazz. E um tocava trombone, outro tocava requinta, outro tocava clarineta e eu peguei e botei na cabeça do meu pai: “O senhor tem que comprar para mim um saxofone, porque...” “Não, você vai aprender primeiro na clarineta do seu irmão. Se você aprender...” Lá era assim, você tinha que aprender. Depois que eu aprendi então ele comprou. Foi em São Paulo e comprou por 10 mil réis. Eu tenho esse sax até hoje. Novinho. Eu faço questão de conservar. Eu peguei e falei com os netos. São 18 netos que eu tenho: “O primeiro neto que aprender dou o saxofone.” Mas você acredita que ninguém quer saber de tocar em banda não? Estão tocando os conjuntos deles. Guitarra, teclado, mas banda com eles não. Às vezes eu tenho esperança que pode vir um bisneto. Se Deus me der esse prazer. Mas então nesse tempo que eu saí do Seminário, comecei a aprender as músicas e entrei no grupo deles também. A minha irmã que era diretora do grupo, essa que está aqui, me chama: “Olha, você tem que fundar uma banda aqui. Eu estou precisando de um currículo da escola, e eles estão exigindo uma bandinha”. Eu falei: “Ah, então vamos lá”. Então fiz uma banda mais sofisticada, com pandeiro, essas coisas assim. No dia da estréia foi um sucesso, porque todo mundo, naquele tempo, tocava. E nós fazíamos aqueles dobradinhos, foi fácil para eles, um sucesso. Mas não sei se hoje têm essa bandinha ainda na escola. Chama-se Banda Rítmica. 

Trabalho 
Meu primeiro instrumento foi clarineta e com isso eu aprendi. Com a minha mudança para Mariana em 1969, eu entrei na banda como músico, União XV de Novembro. Entrei porque eu tinha um amigo, nós tocávamos junto sempre no Carnaval. Ele era filho do maestro Aníbal Walter. O nome dele era Álvaro Walter, ainda é vivo. O pai dele que já faleceu. Ele então me convidou para participar, eu não estava fazendo nada mesmo. Só tirar lazer à noite. Fui participar com eles. Fiquei como músico durante 6, 7 anos. Nesse período foi aquele troca-troca de maestro e acabou sobrando para mim. Porque o Álvaro mudou para Uberaba, foi transferido. E ultimamente era ele. Depois foi o tio dele. O tio dele teve problema na perna. Que essa família Walter é uma família tradicional de Mariana de músicos. Bons compositores, bons instrumentistas. A banda União foi fundada em 1901. Dia 15 de novembro. Essa data foi estudada em uma reunião na casa do senador Doutor Gomes Freire de Andrade. Ele com os amigos, que eram músicos de uma banda antiga que existia. Mas ninguém tem dado nenhum dessa banda antiga. É uma pena. Porque senão a gente podia considerar que é a banda mais antiga do Estado de Minas. Porque Mariana é a cidade mais antiga do Estado de Minas e teve sua banda. Então naturalmente que a banda mais antiga é a banda de Mariana. Mas não é a banda União. Antes tiveram outras bandas mais antigas. Bom, nessa primeira reunião, preliminar eles combinaram o seguinte: teria que ser contratado um maestro. E esse maestro estava no Bandeirantes, uma banda funcionando aqui em Passagem, Banda Santa Cecília. Com a contratação dele, ele escreveu uma variação, Doutor Gomes Freire. Inclusive eu fiz questão de gravar nesse CD. Uma gravação linda. Então está lá: Variação para Clarineta Doutor Gomes Freire. Variação pra clarineta, era um solo de clarineta. O próprio Doutor Penido, presidente da Samarco, e a mulher dele confirmou, que ele não dorme antes de ouvir uma música da banda. Porque ele fala que a Banda União é dele. Então nós fizemos questão de premiá-lo com 100 discos. CD. Bom, não é premiar, é uma forma de pagamento. Mas no dia da inauguração, da estréia da banda foi tocado essa variação e o maestro fazendo solo. Era uma bandinha pequenininha de 16, 18 músicos. E ele fazendo solo de clarineta. Vocês precisam ouvir que música. A gente nem pode imaginar que naquela época tivesse uma pessoa com tantos conhecimentos profundos de música, de composições. E assim nasceu. Eu posso dizer que nasceu o gênio de Mariana. Da música. Era esse. E nunca teve conservatório. Ele falava que não sabia harmonia, que não tinha estudado harmonia. Então como é que um homem desse pode fazer uma coisa tão bonita sem ter estudado? A resposta é Deus. Inspiração divina. É ele. Deus morava com ele. Morava nele. Mas Deus sempre escrevia certo por linhas tortas. Morreu novo, se não me falha a memória com 35 anos. Deixou várias obras, muitas músicas. Entortava, gostava muito de uma branquinha. Aluno dele com mais de 100 anos na época. Ele sempre falava: “Ô Fulano vai ali buscar 40...” naquele tempo 40 réis eram muita dose de cachaça. Copo cheio. Gostava. Fazer o quê? Mas agora que eu estou tirando isso da cabeça dos nossos alunos. Que antigamente achavam que para tocar bem tinha que beber. Tinha clarinetista que fazia esse solo. Mas a pessoa tinha que segurar, que não aguentava ficar em pé. Isso os antigos que me contavam isso. Agora não, fiz: “Olha, gente, pelo amor de Deus, se a pessoa tocava bem sem saber o que estava fazendo é porque ele era bom músico. Para vocês tocarem bem não precisa beber não “. Agora já gravei o CD com instrumentista, nosso clarinetista, que não bebe nada de álcool. Só bebe guaraná. Assim mesmo ele não é muito amante de refrigerante não, gosta mais de suco. Fez e fez muito bem. Um sopro bonito. Lindo, lindo. O padre que é músico também, o que fez a gravação, ficou admirado. Com tanta perfeição que estava a música executada. Então agora está proibido terminantemente. Bebida alcoólica na banda, não. “Vocês gosta de uma cervejinha? Vá ao botequim e compra. Que eu também não dou dinheiro pra vocês comprar não. Agora, quer refrigerante vai e bebe”. Outro dia nós viemos tocar e esqueceram da banda. Nem água nós achamos. Bom, eu não vou falar aonde, nem quando, nem o santo. Eu estou falando apenas o milagre. E assim nessas alturas a diretoria teve que desembolsar o refrigerante. Porque o músico sai de casa, sai sem dinheiro. Ele está sendo convidado para tocar e não para gastar, não é isso? Às vezes nem tem também. Eu não sei, parece coisa que Deus encaminha só gente pobre para a banda. Vocês acreditam isso? 80% de músico da Banda União é pobre. Olha que eu estou lutando para um emprego na Samarco para um músico. Saxofonista tenor de primeira que está gravado um disco dele. Você precisa ver que beleza de músico. Formado em escola técnica. Fez concurso, prova na Samarco. Fez tudo. Passou. Falta o quê? Ser chamado para exame médico. Então agora eu estou aproveitando e estou fazendo um apelo. Que eu não vou ligar para Doutor Penido. Espera aí. Não. O Doutor Penido tem a pessoa indicada para esse fim. É como diz o ditado: cada macaco no seu galho. Doutor Penido é para presidir uma empresa. Os outros é que fazem essa empresa movimentar, certo? Geralmente os pais é que levam as crianças. Eu acho isso um erro. Mas eu vou falar com os pais que estão errados? Eles estão querendo que a criança aprenda. Porque lá na banda além da gente ensinar música, ensina a maneira de se portar na sociedade, na religião. Em qualquer igreja que ele pertencer: católico ou evangélico, tem esse tipo de coisa. Nossa banda não vai: “Você é católico? Ah, não? Então vai aprender em outro lugar. Vai aprender na sua igreja”. Não, nada disso. “Você é preto? Não, aqui não tem para preto não”. Não, aqui não tem nada disso não. Os melhores músicos até hoje, que alguém me fale o contrário, são da raça negra. Olha o detalhe, o Pixinguinha, por exemplo, o que esse homem fez. E sem contar os demais. Inclusive o nosso maestro, o primeiro: raça negra. Bom, isto não leva, rico, pobre, qualquer um que chegar, mas eu levo mais sorte com os pobres. É porque os ricos aprendem uma teoria já vão logo fundar o grupo deles para ganhar dinheiro. Eu vou falar com eles que não pode? Claro que pode. Costuma até levar os outros músicos também para lá. Para compor no grupo deles. A gente fica satisfeita porque é um ganha-pão a mais. Ajuda os pais, não é isso? E de sorte que os pobres prestam mais serviço à banda. Por que? Porque os ricos além desse problema, ainda vão para as escolas estudar Direito, Farmácia. Formou, cada um vai cuidar da sua vida. Esse você perdeu. E o pobre? O pobre não arranja emprego. Por isso eu falei para a diretoria: “Nós precisamos colocar esses músicos, porque do contrário vai ser esse negócio: ensinar a criança com aquela esperança dele crescer depressa. Por quê? Como é que esse rapaz vai cuidar da vida dele? Ele vai casar em breve, sem o ganha pão, ele vai ter que mudar de cidade. Mudou de cidade nós perdemos o músico”. Não está certo? Pois então não é só rico não. O pobre vai ter que ser virar. Não tem como fazer. É o que acontece nesses distritos, nessas cidades sem meio de vida é isso. As bandas geralmente acabam por isso. Porque não tem qualquer meio. Agora não, eu acredito que os prefeitos estão olhando esse lado. Porque já estão fundando e conservando ao menos o maestro no emprego. Porque o maestro tendo emprego tem condições de ficar por conta da banda. Não nas horas vagas dele, não são isso? Agora o que acontece os músicos que não tem emprego eles vão ter que sair para procurar, uma cidade maior para se colocar. Agora, feliz daquela banda que recebeu o músico da Banda União. Porque chega já tem a vivência desde de pequeno. Sabe se portar como músico. Ele vai aconselhar o músico que gosta de uma bebida: “Olha, isso não leva a nada. Eu aprendi assim. Você deve parar”. Fumar, ninguém fuma na sede da banda não. Quem tem esse vício, uns três ou quatro, sai da sala de toque, vai para a varanda, fora da sede para fumar. Para não prejudicar aquele que não fuma. É assim, a banda nossa é nessas condições. Hoje tem o computador que ajuda muito a gente. Até para compor música é muito fácil, porque tendo o computador... agorinha mesmo eu estava saindo de um trabalho, estão preparando para 15 de novembro umas músicas. Porque todo ano a gente apresenta um repertório novo. Então eu tenho que sair daqui e terminar o serviço que eu comecei para pistom, para ensaiar hoje ainda às 3 horas. Nós gravamos um CD no centenário, pago pela Samarco, e com a venda desse CD já estamos preparando o segundo. E qual a preocupação do maestro atual? É de perpetuar o trabalho desses compositores. Você pode ver, composição minha, nossa mesmo, eu não ponho lá. Eu faço questão de não colocar. Só coloca ali de regentes, de ex-regentes, de ex-maestros. Mas cada composição mais linda que a outra. Então é tanta composição que, se fosse possível, dava até para gravar por cinco CDs de tanta. O repertório da Banda União, o arquivo, é tão completo que tem uma empresa, fazendo levantamento do arquivo já tem um ano. Eu não sei o nome da empresa. Eu não me recordo porque isso é serviço da diretoria, não faço questão de saber. Está organizando, botando no computador, tudo direitinho. Porque quando eu precisar assim: “Eu quero uma música tal e tal”, eles vão ao computador e me trazem na mesma hora. Quem está patrocinando é a Samarco também e outras empresas que participaram do centenário da banda. Isso fez parte do centenário. A sede própria da Banda é Rua Direita 151. Uma banda, modéstia à parte, muita bem organizada e presta grande serviço à comunidade. Até porque que nós temos aula todo dia das 14 horas às 16, inteiramente gratuita. Se a criança não pode pagar, a própria banda, não pode pagar a flauta, que cobra um real e noventa. A banda adquire o instrumento e doa para aquele menino o aprendizado dele. Desde que a criança dominou a flauta, ele está apto a pegar o instrumento e tocar na estante com qualquer instrumento. E ai que vem o trabalho da diretoria para fornecer uniforme. Uniforme o que é? Uma túnica, uma camisa, uma gravata e uma calça. São três uniformes que a gente usa. E o quepe. Agora nós estamos abolindo o quepe. Quando toca assim no interior, a gente vai com o que nós chamamos de uniforme esporte. Agora quando o uniforme é de gala, é com essas coisas todas. A diretoria vai providenciar o instrumento que o maestro está precisando. Saia de onde sair, tem que arrumar. “Pessoal, eu estou precisando disso assim, assim, porque Fulano está ensaiando no instrumento de Fulano”. E músico não gosta. Mas ele aprendeu assim, não tem jeito de reclamar. E os próprios músicos são os monitores, colaboradores do maestro. Aqueles músicos que levam jeito a gente faz assim: “Ó, essa semana é sua de duas às quatro”. Mas a gente pede só aquele que não tem aula na parte da tarde, porque todos os músicos estão estudando nessa época na parte da manhã. Estuda na parte da manhã e à tarde vai ajudar o maestro nos futuros músicos. E sem ganhar nada. Quer dizer, eles aprenderam sem ganhar nada, está certo? É o nosso trabalho, diariamente. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta. Sábado descansa. Domingo ensaio de manhã. Das 10 ao meio-dia. 

Casos de trabalho 
A Vale do Rio Doce em Carajás fez tudo para me segurar lá. Na época, 10 salários mínimos eram dinheiro demais. Vou contar como foi. Eu fui passar umas férias lá, porque eu estava de férias de julho. Nós estávamos sem juiz. Isso eu não estou bem lembrado que ano que foi não. Tem bastante tempo. Eu não sei se foi em 1982. Só sei que nós estávamos sem juiz na época. A comarca não estava provida, o juiz de Ouro Preto que ia de vez em quando lá para fazer aquelas coisas. Agora, como estávamos de férias, eu falei com a minha colega: “Aguenta a mão aí” porque eu estava de licença, e fui visitar o meu pessoal, passar umas férias. Era a Sueli e Lívio. Antonio Claret casado com a Sueli. E Lívio casado com a Alice. Os casais que trabalhavam para Vale do Rio Doce. Então eles descobriram que eu era músico e que tinha essa condição de chegar e criar uma banda. Eu falei assim: “Olha, eu não prometo nada não, mas o que eu puder. Vocês sabem se na Companhia tem alguém?” “Não, tem alguns e tal”. Então fui apurando e dei sorte. Achei uma meia dúzia. E comecei ensinando. Aqueles outros me ajudando também. Só sei que no dia 7 de setembro nós botamos a banda na rua. Desfilando. Com aquela rua asfaltada naquele núcleo residencial, o negócio deles lá é muito bem organizado. E até hoje eles têm o filme, porque eles têm uma TV em Carajás. Então tem a lembrança. Até hoje a banda está funcionando. Eu não tenho tido notícia de lá, mas de vez em quando eles mandam notícia de que a banda está funcionando. Deve estar com mais ou menos uns 30 integrantes. Porque é aquela história da Companhia: um sai, outro entra. E em três meses eu montei essa primeira banda. Julho, agosto, setembro. Fiquei três meses. Eles não queriam me deixar. Olha, descobriram que eu gostava de pescaria. Programaram uma pescaria para mim. Eu fiquei bobo com o tamanho do peixe. Nós fomos para a pescaria. Um jaú só que foi pescado encheu o barco. 40 quilos É uma coisa de louco. Um rio. Não é conversa de pescador não. Um rio que você não dá nada por ele. Mas é muito fundo, sabe? E eu tenho fotografia. Está tudo fotografado lá em casa. E a Vale fez tudo. “Eu não tenho isso aqui como profissão não. Até porque eu não quero um tostão de vocês. Se vocês quiserem me dar uma passagem”. “Não, eu dou a passagem até o que vocês quiserem lá”. Então eu vinha em casa, voltava. Fazia assim. Remanejando. E nessa ocasião a comarca foi provida por outro juiz e aí eu assumi as minhas funções também. Aí não tinha jeito mais. E também meus filhos receberam a proposta da Samarco, aceitaram e desceram. O Doutor Júlio Tizon é que trabalhava na época, que fez essa proposta, precisava dos dois. Naturalmente que tinha confiança neles. Desceram e estão satisfeitos até hoje. Graças a Deus. 

Relação Samarco/Comunidade 
O que aconteceu com a Igreja Nossa Senhora do Carmo? Olha, nós estávamos de férias em Piúma. Temos uma casa lá. E quando vou eu levo sempre a Sky para ficar dentro do assunto de Minas. Porque não sei se vocês sabem, quando a gente leva o aparelho, ele está programado para Minas, continua em Minas. Eu tenho uma antena lá e levo meu aparelhinho. Para pegar justamente o quê? Notícias, jornais. E infelizmente, na hora que eu liguei o jornal vi a nossa igreja pegando fogo. Aquele fogaréu em cima. Aquela imagem não me sai mais da minha memória. É triste. Chamei: “Lívia, corre cá. A Igreja Nossa Senhora do Carmo em Mariana” “Não é possível”. Foi aquele transtorno. Aí meu genro depois me contou a história toda. Porque quando a notícia correu em Mariana, foi bombeiro. A população toda em cima jogando água. Ele correu pegou o santíssimo. Entrou na capela com fogo e tudo. Correu e o que puderam salvaram. Justamente o Antonio Claret que hoje trabalha na Samarco, não sabendo ele que a própria Samarco ia encabeçar um movimento para restauração da igreja. E hoje está praticamente restaurada. Faltando apenas os altares laterais e o final, o restinho de pintura. Mas a parte mais grossa foi a Samarco, a Vale do Rio Doce, a Globo também participou muito. Estado de Minas, essas outras empresas. E a participação da Samarco foi muito ativa nesse sentido. A gente só tem que agradecer. O povo todo agradece à Samarco. Eu acredito que no próximo ano, se Deus quiser, a gente vai fazer um festão, com banda e tudo. Se Deus quiser. Eu espero, se Deus me der vida e saúde, espero estar na frente da banda com o maior número possível de músicos. Porque material humano não vai faltar. É isso só o que eu espero. E no mais a gente vai levando a vida, enquanto a vida nos leva. Porque dois anos atrás aquele infarto que tive. Sempre falei em casa: “Olha, eu cheguei lá, São Pedro falou assim: o que você está fazendo aqui?” Eu disse: “Ó eles me mandaram para aqui”.“Não, aqui não tem vaga para o senhor não. Pode voltar na Terra que nós vamos precisar muito do senhor ainda. O senhor tem que fazer um trabalho com as crianças e eles estão contando com a sua boa vontade”.Então, ô gente, a minha contrariedade é demais, sabe? A gente que mexe com sociedade cada um tem um pensamento diferente, cada uma tem uma maneira de agir. E sempre tem aquele pega-pega de dois poderes juntos ali. Mas em compensação tem aquela coisa que vem de dentro da gente, que é a alma. Aquele prazer, aquela satisfação de um dever cumprido. Chega no fim do ano vem aquela turma nova, que estão estreando. Para nós que estamos vivendo aquele dia-a-dia é o maior prazer. Aquilo não tem dinheiro que paga. Eu me ligo muito com a Samarco porque esse ano está completando 25 anos e eu também estou completando 25 anos de regência. Por coincidência são Bodas de Prata que está acontecendo comigo também. Então nós fomos convidados para participar da festividade dos 25 anos da Samarco. Então eu escolhi uma música especialmente para o Doutor Penido. Eu vou explicar por que? Não é porque ele é presidente da Samarco não. É que na ocasião do centenário nós não conseguimos o dinheiro para gravar o CD de jeito nenhum. Na época era 4.500 reais. Nós estávamos com as músicas todas gravadinhas, todas no jeito. Mas cadê o dinheiro? Já tinha tido um trabalhão danado de levar músico para Belo Horizonte para a gravação e tal. Olha, liguei para o meu filho: “Haroldo, como é? O negócio está danado aqui. Eu liguei para o seu irmão o Lívio, mas a Vale não tem verba”. Já estourou. E agora eu estou apelando para você. Então ele falou assim: “Ô pai, a Samarco também não tem mais verba. Agora eu vou dar para o senhor o telefone do Doutor Penido. Ele gosta muito do senhor”. Eu disse: “Olha, eu não estou sabendo disso não?” “Gosta. Ele gosta muito do senhor. Liga para ele. Mas tem uma coisa: ele está de férias”. “Ah, eu vou caçar ele e vou para lá”.Isso já era janeiro. Nós já tínhamos perdido um ano, não conseguimos. E sem a diretoria saber, sem nada, passei na frente até do presidente. Acho que eu errei nesse ponto, sabe? Mas eu vi que a coisa estava muito parada. Eles já tinham desistido. Porque não íamos conseguir o dinheiro mesmo. Aí eu liguei: “Doutor, o senhor vai me desculpar por duas razões: primeiro eu sei que o senhor está de férias e a gente quando está de férias não quer saber de atender chato nenhum. E eu nesse momento estou sendo um chato”. “Mas o que é isso, Gegê? O que está acontecendo?” “E a outra razão: eu estou com um CD aqui encomendado, com orçamento e tudo e eu não tenho dinheiro. Eu estou quase na eminência de tirar o dinheiro da minha poupança para garantir a palavra lá em Belo Horizonte. Porque eu falei com o rapaz que até quarta-feira eu estava com o dinheiro na mão”. Já é segunda-feira. O rapaz que eu conversei, sabe qual era? Um padre A coisa era séria mesmo. Eu nunca passei tanto aperto na minha vida. Ele virou e disse: “Seu Gegê, quanto é que o senhor está precisando?” “O valor é 4.500”.“Eu vou ligar para a Olinta e o senhor liga para ela”. Olha bem, na mesma hora sem um telefonema. Eu peguei e falei assim: “Não é possível, eu consegui”. Não comentei nada não. Desligou, agradeci a presteza dele. E liguei de novo para o meu filho em Anchieta. “Haroldo, aconteceu isso, isso, isso”. “Olha, então pode dizer que o senhor já conseguiu. Ele falou que ia ligar para a Olinta?” “Ele falou que ia ligar para a Olinta”.“ A Olinta é a chefe geral aí da Samarco, é a dona do dinheiro, sô”. Nem demorou, desligamos. Na mesma hora não demorou 10 minutos a Olinta liga lá para casa. “Seu Gegê, amanhã o senhor liga às 9 horas para Fulano ou então Sicrano, uma das duas secretárias. O senhor vai ter uma novidade lá". A hora que eu cheguei e liguei para lá, o dinheiro já estava na minha conta. O erro foi esse. Porque eu tive que pagar esse imposto sobre o cheque de 4.500. Sendo que na mesma hora eu transferi da minha conta para a conta do padre. Mas o pessoal da Samarco não sabia. Quando eu liguei para a moça: “Seu Gegê, já está na sua conta”. “Mas minha filha, não é para a minha conta não, sô. É para a conta do padre que está lá”. “Ah, mas eu não tinha o número da conta dele”. “Não tem jeito não?” “Não tem jeito. Agora já está na conta”. Para quem ia desembolsar 4.500, que é que tem desembolsar o imposto sobre o cheque? Azar. Fui no Banco do Brasil, a conta do padre era no Bradesco. Eu tive que ir lá no Bradesco de novo para passar o dinheiro para a conta dele. E depois eu vou mandar o CD para vocês, para verem se valeu a pena. Eu saí tão depressa que meu currículo ficou por lá, saí de galope. Porque minha esposa tinha que fazer... não fala terceira idade, não, é vida, como é? Vida viva, um negócio assim. Em Mariana agora eles estão com essa. E fazem reuniões, fazem tudo. Ela está se dando bem e eu muito mais. Porque o homem quer ver a esposa bem, não é isso? Mas quando eu mandei o recado para o Doutor Penido para ele vir aqui para esse problema da Igreja Nossa Senhora do Carmo. É o que eu sempre falo: se não fosse a Samarco a Igreja Nossa Senhora do Carmo não estava recuperada. Mas a Samarco patrocina a Banda União há muito tempo. Foi assim: a Banda começou a fazer apelo, não tinha caixa, dinheiro. Ou a gente cobrava um real. Aliás, um real nada. Sei lá naquela época, acho que era cruzeiro, de mensalidade. Os 30 sócios. O músico não pagava. Músico não ganha dinheiro, claro. Músico não ganha dinheiro e paga ainda registro. E o que acontece? Faziam carta, fazia o orçamento do instrumento e mandava. Então nós temos vários instrumentos com gravação “Doação da Samarco” e tal. Até hoje tem muito instrumento ainda. E procura sempre conservar. É uma lembrança da ajuda da Samarco. De maneira que a gente sempre pagando o cachê. Aliás, pagava sempre a mais do que a banda pedia. E a Banda União deve muita coisa à Samarco. Não é só a banda não, Mariana. E não é só Mariana não, Ouro Preto também. O primeiro patrocínio veio na forma de doação de instrumentos e sempre contribui. Inclusive essa contribuição do CD no valor de 4.500 para a banda, representa muita coisa. 

Comunidades 
A Samarco quando veio por aqui há 25 anos atrás ela reposicionou Mariana. Foi assim uma guinada, do nada para mil. Mariana não estava preparada para essas coisas, até porque houve um levante na cidade, estava abalando as casas. Porque aquelas máquinas pesadas passando para levar material e não tinha a estrada do contorno. E então foi martelando, martelando até que foi construída uma estrada de contorno. E desviou o movimento para lá e hoje não tem esse problema tão gritante. Mas tem motorista que ainda teima de passar por dentro. Mas nessa hora vem a polícia e fala o nome da lei para eles. Aplica a lei. Mas é assim, a nossa cidade se é o que é hoje, agradeça a quem? Samarco. É uma empresa humana. Que não se preocupou em trazer material humano de fora. Preocupou-se em trazer sim, os peritos para ensinar. Agora a turma toda, quando não é de Ouro Preto, é de Mariana. Está todo mundo lá encaixado. Uma empresa que gera emprego, certo? O primeiro contato da banda com a empresa foi nas comemorações anuais, de operários. Sempre fizeram festa para os operários e a banda sempre está sendo convidada. Então pela primeira vez a gente foi em Alegria, que é chamado de Alegria, mas é um lugar triste porque é um lugar que faz minério demais. E participamos de um churrasco com eles. A primeira vez foi isso. Fui lá através dessas festas que a Samarco tinha de fim de ano. Ah, a gente lembra da grandiosidade do maquinário.Você vê aqueles caminhões que eu nunca podia imaginar que tivesse tão grande, carregando toneladas e toneladas de minério. Depois veio aquela maravilha de correia transportadora. Isso tudo foi coisas criadas aqui na Samarco. Depois, logo em seguida, mineroduto. Levando aquela coisa que ninguém aproveitava, aquele pó. Levando para o Espírito Santo. Passando abaixo do terreno. E deslocando famílias, indenizando sempre, três vezes mais o valor da propriedade para passar o mineroduto. E antes de ontem, por exemplo, tinham três navios, cada um maior do que o outro, lá no Porto de Ubu. Esperando aviso para transportar a riqueza do Brasil para fora, trazendo dólares. A Samarco traz, a maior investidora. Vende minério igual esse pessoal vende água mineral. Agora trazendo o quê? Leva minério e traz dólar. Nessa valorização que está é uma grande coisa. 

Opinião 
Você quer saber se eu mudaria alguma coisa na minha vida? Eu não mudaria não. Mesmo a saída do Seminário, que a minha irmã não gostou e o meu pai também. Mas sabe o que é? Parece coisa que a gente tem, já está escrita a vida da pessoa. Você vai ser isso assim. Não quer dizer que ladrão esteja escrito que vai ser ladrão, corrupto vai ser corrupto, não. Mas eu acho que tem alguma coisa que empurra. Essa missão, por exemplo, de ensinar criança, podia às vezes eu ter essa oportunidade na missão de sacerdócio. Mas eu não tinha vocação. A verdade é essa. Eu não tinha vocação. E nem vocação de comerciante também não tinha não. Eu fui trabalhar naquilo que eu gostava, que fosse justamente o escritório. 

Avaliação do depoimento 
Eu gostei imensamente de dar esta entrevista, porque dizem que recordar é viver. E eu estou vivendo, revivendo o passado e muita coisa a gente esquece. Porque eu estou entrando, estou aqui na fase de recuperação de saúde ainda. Mas agora atualmente eu estou bem bom. Aos trancos e barrancos. Mas por exemplo, se alguém me chamasse: “Vamos começar tudo de novo?” Eu recomeçaria. Tudo de novo. Se Deus me der força, porque o problema todo é a saúde. As minhas amizades estão sempre aumentando. E se eu vejo nos olhos dos pais aquele brilho de felicidade porque os meninos estão tocando na banda, estão livres de se drogar. Estão livres de se desviar dos caminhos que não seja o caminho da verdade, os caminhos da fé, seja que fé que for. De maneira que eu estou muito feliz. Feliz mesmo pela família que tenho, pelos amigos, pela esposa que adoro e venero. Esse Projeto Samarco 25 anos veio na hora certa. Porque muitas pessoas que hoje poderiam estar com a sua vida sendo contada, igual, por exemplo, e muitos amigos como o senhor Vicente, o Paulo, fã número um da Samarco. E morreu com 95 anos regendo coral, que hoje está sob a nossa responsabilidade também. E eu não gosto nem de comentar sobre o mestre, devo a ele muita coisa. Muita. Mestre Vicente era ministro da eucaristia. Ele saía de casa em casa visitando os doentes, dando comunhão, entendeu? Até quando faleceu. Olha, esteve doente, levou ele para o hospital. Ninguém sabe a hora que ele morreu. “Ah, ele faleceu tal hora isso assim”. Ninguém pode afirmar. Porque quando a pessoa saiu, a última visita dele foi uma pessoa idosa que também já morreu. Essa pessoa me contou, esse velho. Falou assim: “Olha, eu saí do quarto dele conversando com ele. Eu dando notícia do meu acidente que eu tive”. Acidente ele falando, me contando. Quando saiu uma irmã entrou uma enfermeira, quando saiu foi só: “Mestre Vicente morreu”. Ele estava lá ainda. Quer dizer, morreu como morre um passarinho como se diz. Na santa paz. Ele teve uma morte que eu queria ter. Mas tenho certeza que eu não vou ter não. Porque eu não fiz isso para merecer, entendeu?

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