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uma carta por recordar Augusto Omolu, por Julia Varley


Esse artigo foi extraído de uma carta escrita por Julia Varley (Dinamarca) sobre o mestre Augusto Omolu, Mestre de "Dramaturgia da Dança dos Orixás" -  morto assassinado em Salvador, no ano de 2013.

"Querido Augusto,

Você tinha me dito que só assumiria sua responsabilidade de pai-de-santo no candomblé, sua religião desde que nasceu, depois que completasse sua missão artística. Quando a idade não te deixasse mais dançar nos teatros, você voltaria a viver permanentemente no Brasil e assumiria o papel que o velho pai-de-santo do seu terreiro de Salvador te indicou antes de morrer. Sempre acreditei nisso. E no entanto…
Tem horas que eu fico furiosa com você porque permitiu que te acontecesse o impensável, aquilo que não queríamos aceitar ou acreditar ao receber a notícia, aquilo que talvez não tenha sido conscientemente desejado pela pessoa ou pelas pessoas que usaram uma faca contra você. E assim, de um dia para o outro, só podemos falar com você através de nossas várias lembranças desordenadas. Será que alguém vai reunir sua herança? Será que alguém vai ser capaz de fazer florescer a essência do seu trabalho, do seu alegre rigor, da sua dança, do seu axé? Será que alguém vai expressar em cena a mesma vontade de viver que queimava nos seus olhos, a mesma generosidade? Será que alguém vai cuidar de todas as crianças e jovens que te escolheram como mestre?
Sua experiência estava escrita no corpo. Você sabia falar e explicar bem, mas não escrevia palavras no papel. No teatro, trabalhou como ator; como dançarino clássico e moderno, assinou muitas coreografias; em Salvador e ao redor do mundo, ensinava a dança dos orixás, as divindades que são as manifestações das forças da natureza. Uma das suas ambições era valorizar sua cultura afro-brasileira. Como poderia fundar uma tradição que ao mesmo tempo fosse nova e antiga, que durasse no tempo para além da sua técnica incorporada? Você teria que ter transmitido a totalidade de si mesmo e do seu conhecimento: a totalidade entranhada em sua postura nobre, nessa pele assim tão negra, nesse sorriso generoso e às vezes sem piedade, em seu cabelo curto ou rastafári, que respingava longe quando você se virava porque o molhava antes de entrar em cena, nos movimentos sinuosos dos seus ombros nus, no ritmo sábio dos seus pés, na memória herdada dos seus antepassados, que chegaram acorrentados ao Brasil vindos das várias nações africanas, cada uma com sua dignidade de ritmos, cantos, línguas e danças.
Quando você nasceu, sua madrinha foi possuída por Omolú, o orixá que cuida dos cemitérios e dos mortos, coberto com um vestido de palha que esconde até o próprio rosto. Foi esse figurino que nos inspirou para o personagem do Guga, com o qual você participava dos espetáculos de rua do Odin Teatret. O Guga usava uma máscara esculpida em couro pelo Franco Buttera, e foi você mesmo que batizou o personagem com o apelido que seus amigos usavam para te chamar. Quando você me explicava que meu orixá era Iemanjá, a deusa do mar, a mãe, dizia que o seu era metade Ogum e metade Oxalá, metade guerreiro e metade velho sábio. Isso para deixar claro que Omolú era apenas seu nome artístico, que tinha ficado com você desde a época em que dançava esse orixá no início da sua carreira, nos espetáculos folclóricos na Bahia. Você mostrava as partes doentes do corpo, indicava as orelhas, os olhos, a boca, as mãos, e logo depois um tremor percorria seus braços, que se levantavam atrás das costas enquanto você se ajoelhava, inclinando-se para frente para bater os punhos no chão antes de saltar para o alto. Quantas vezes vi essa sucessão de ações quando Otelo matava Desdêmona em seu espetáculo Orô de Otelo. No panteão dos orixás, o ritmo de Omolú era o que me parecia mais simples, com sua repetição que acelerava gradualmente.
Você tinha muitos irmãos e irmãs de pais diferentes. Sua mãe era o centro da família. Você era muito ligado à sua mãe, tanto que se emocionou ao pensar nela em um evento na Festuge – a semana de festa de Holstebro. Tínhamos visitado o cemitério com o grupo de atores do Ageless, o workshop que conduzíamos com a Debora Hunt, que criava aquelas máscaras gigantes com os participantes. Tínhamos conseguido permissão para entrar no cemitério com uma única máscara durante um dos espetáculos noturnos. A atriz colocou uma flor em cima de uma tumba e depois soltou um balão branco no céu. Do lado de fora, todos nós esperávamos em silêncio. Debaixo das máscaras, algumas pessoas choravam. Você tinha ficado meio à parte, mudo também. Sua mãe tinha morrido há pouco tempo. Teve um dia que a visitamos com o Odin Teatret e você tinha ficado todo orgulhoso ao apresentá-la para nós.
Você também ficava todo bobo quando nos recebia naquele bar que ficava no cantinho da sala do terceiro andar daquela sua casa onde não morava. No aeroporto de Roma, tinha comprado para aquele bar uns copos coloridos de Murano que eu achava super kistch, mas que para você eram maravilhosos. Vivia comprando presentes no exterior e cuidava das casas da família, cuidava dos seus filhos e até das cunhadas, das noras, dos primos, dos tios, dos padrinhos, das madrinhas, dos netos e dos vizinhos. Você era jovem quando teve seu primeiro filho, Gustavo, que havia estudado informática e já tinha te feito avô duas vezes. Já sua segunda filha, Luana, vivia em Jericoacoara – o paraíso turístico do sul de Fortaleza – com sua mãe Andrea, a argentina por quem você era perdidamente apaixonado na época em que chegou ao Odin Teatret pela primeira vez. Seu salário ia todo embora com telefonemas. Já a pequena Alina vivia em Paris com Lisa Ginzburg, sua última esposa. Você tinha estado com sua filha quarenta dias antes de morrer.
Gostava de brincar com ela. Mostrava a foto da Alina para a gente: ela é mulata, tanto que na rua é difícil acreditar que aquela italiana magra e com pele de marfim seja sua mãe. Além da família, você tinha um amplo círculo de alunos ao seu redor, alguns latino-americanos, muitos italianos, outros do resto do mundo. Você ficava triste porque poucos eram brasileiros.
Nós te conhecemos no dia 13 de janeiro de 1993. Eugenio Barba e eu estávamos viajando pelo Brasil para preparar a sessão da ISTA (International School of Theatre Anthropology) que aconteceria em agosto de 1994. Nitis Jacon, a diretora do FILO (Festival Internacional de Londrina), queria que uma tradição brasileira estivesse presente de qualquer maneira ao lado das tradições que vinham do Japão, da Índia, de Bali e da Europa. Tínhamos dúvidas que conseguiríamos encontrar, entre as manifestações populares de espetáculos do Brasil, uma forma estruturada e repetível que pudesse ser comparada às formas codificadas asiáticas. Éramos céticos sobre a possibilidade de encontrar um representante de uma tradição desse tipo, capaz de explicar com palavras e de demonstrar tecnicamente, a frio, os vários níveis de seu saber incorporado – que, na prática artística, é uma unidade –, separando a forma do seu contexto ritual ou festivo.
Tínhamos visto o Bumba meu Boi em Brasília, em São Luís e em Fortaleza. Em Salvador, acompanhados pelo diretor e amigo Paulo Dourado, assistimos a ensaios e cursos de vários dançarinos de técnica afro-brasileira e a muitas cerimônias de candomblé e caboclo. Até que um dia, pela manhã, o Paulo nos levou a uma grande sala onde uns setenta dançarinos suavam ao ritmo frenético dos tambores. Você estava começando a ensinar as danças dos vários orixás. Mostrou Oxossi, o caçador, com um passo duplo saltitante, a chicotada do cavaleiro, o dedo médio como a flecha que mira, a corda apertada em torno da caça, o corpo forte e o rosto com expressão vitoriosa. Depois passou para Oxum, a deusa da água doce, da vaidade, do amor e da beleza, que se olha no espelho, que penteia os longos cabelos e se enfeita de joias. E de repente, a sua expressão, que antes era decidida, masculina e vigorosa, torna-se doce, feminina e sedutora. Você não era nem afeminado nem artificial. Estava tomado por uma inexplicável energia que tinha te transformado totalmente diante dos nossos olhos. Eugenio e eu nos olhamos. Sabíamos o que estávamos pensando: só tínhamos visto uma transformação desse tipo vendo dançar Sanjukta Panigrahi, a inesquecível dançarina indiana de Odissi e outra fundadora da ISTA. Foi paixão à primeira vista. Algo parecido que também faz com que vários dos seus alunos se apaixonem por você.
O Paulo Dourado nos apresentou no final da aula, na mesinha do bar onde você costumava se reunir com estudantes, amigos e músicos para tomar cerveja. O bar ficava perto do Teatro Castro Alves, onde você trabalhava como primeiro bailarino da companhia de dança contemporânea. “Geladinha” é uma palavra que sempre me vem à cabeça quando penso no Brasil: a cerveja tem que estar gelada, se não estiver, pede-se outra. A mesa estava cheia de copos e garrafas. O Paulo tentou te explicar quem éramos. Durante as demonstrações do Odin Teatret, várias vezes você disse que achava que estava diante de uns turistas curiosos que em pouco tempo teriam perdido o interesse na sua dança. Entre uma cerveja e outra, conseguimos te convencer a nos levar ao seu terreiro.
Naquela época ainda não falávamos português, só espanhol, e o Paulo fazia a tradução. Foi você que nos obrigou a aprender português, a única língua que conhecia. Anos depois, o Eugenio te disse que se você quisesse ficar no Odin Teatret, se não falasse dinamarquês, tinha a obrigação de saber pelo menos o inglês. Lilicherie McGregor, que era uma assistente dos ensaios de O Sonho de Andersen, tentou te ensinar inglês com uma paciência infinita: one, chwo, three… (por que será que, no Brasil, o “t” vira “c”?). Você chegou a contar até oito, os tempos que eram necessários para que as pessoas entendessem o ritmo da dança que ensinava. Depois, quando casou com Lisa Ginzburg e viveu em Roma por uns tempos, as palavras italianas das quais você gostava começaram a se enfiar em seus discursos. Ainda que sua grande inteligência se revelasse na linguagem do corpo, você sempre teve certas inquietudes intelectuais, como, no fundo, muitos atores do Odin.
Naquele dia, lá no terreiro, falamos sobre energia, sobre axé, sobre movimentos codificados e improvisados, sobre dança, ritual e religião. Você nos mostrou as pedras que os devotos do candomblé plantam nos vasos para marcar sua iniciação ao culto. “Essas pedras são como sementes, elas crescem”, você nos explicou. Mostrou-nos as oferendas, as casinhas dos vários orixás com seus próprios objetos, a cozinha, as pinturas nas paredes, as cadeiras que pertenciam à mãe-de-santo e ao ogã – o assistente das cerimônias –, e os tambores cerimoniais protegidos por um pano branco. Você também era um ogã e, assim como os tocadores de tambor, não caía em transe como os outros devotos. Você fez alusão ao “fundamento” e aos elementos sagrados do candomblé, mas disse que não devia-se falar sobre eles para quem era de fora e que eles não podiam fazer parte de uma expressão artística desconectada do ritual. Na religião havia uma parte secreta com uma disciplina rigorosa que exige isolamento do mundo externo e também uma parte pública. Você chamava de “festa” a cerimônia aberta que acontecia com danças, música e comida compartilhada com todos os presentes, mesmo com quem não era adepto. Os orixás desciam durante as danças e “cavalgavam” seus fiéis.
Antes que a visita ao terreiro terminasse, sentamos em cadeiras de plástico brancas. Eugenio perguntou se você era capaz de dançar sentado. Você concordou sorrindo. Ele pediu que improvisássemos um diálogo entre energias fortes e suaves: você usando as danças dos orixás, ou seja, a codificação que tinha recebido de uma tradição, e eu usando minha codificação pessoal de atriz do Odin Teatret, ou seja, os elementos que eu mesma tinha inventado. Nunca tínhamos feito algo assim juntos, mas não foi difícil. Eu ainda não tinha nenhuma ideia sobre o significado dos seus movimentos e você ainda não sabia interpretar minhas ações, mas, mesmo assim, tínhamos uma língua em comum. Nossa energia modelava formas precisas, e quando elas se alternavam, fundiam-se e repeliam-se ritmicamente. Parecia que nos diziam alguma coisa. O Paulo começou a rir, cheio de alegria: disse que gostava de ver atores trabalhando. Naquela tarde, o Eugenio decidiu que você participaria da ISTA. Você não entendia muito bem o que era ISTA, o que era a antropologia teatral. Mas aceitou, e foi o início de um longo processo de aprendizagem recíproca.
Tínhamos que trabalhar muito para que você entrasse na ISTA com o mesmo nível dos outros mestres. Todos eles tinham sido preparados pelo Eugenio com longos períodos de observação e colaboração, tinham aprendido a fazer demonstrações e, principalmente, apresentavam-se com um espetáculo de sua própria tradição. Era importante que, diante da magistral fascinação do espetáculo e de sua força persuasiva, os participantes da ISTA se esquecessem das horas que passaram investigando e comparando terminologias e detalhes técnicos. Você não tinha nem demonstração nem espetáculo. Precisava criá-los de qualquer forma para participar da ISTA como um representante da tradição das danças dos orixás. Você nos mostrou várias partes das coreografias que conhecia como bailarino e, também, uma sequência de danças dos orixás. Parecia que você tinha diferentes identidades que dependiam da música que te acompanhava. Ao te observar, comecei a aprender o nome das danças de cada orixá. Esse conhecimento se tornou fundamental para ajudar o Eugenio Barba na hora de montar o espetáculo Orô de Otelo, Cerimônia para Otelo. Você nunca tinha pensado nos orixás como personagens que pudessem instaurar um diálogo entre si.
Pierre Verger havia reunido muitos testemunhos, fotografias e desenhos do mundo do candomblé. Folheamos seu livro buscando inspiração para o trabalho que faríamos com você. Te pedimos histórias. Você nos contou uma de Iansã. Havia dois homens: Xangô, o marido, e Ogun, o amante. Um tinha ciúme do outro. Essa história foi o primeiro passo para o seu espetáculo: uma cena de sedução, encontro amoroso e briga violenta. Precisávamos de tempo. Uma coisa era fazer com que você passasse de um orixá para outro sem interrupção, outra coisa era convencer os músicos que te acompanhavam a fazer o mesmo. Mas a maior dificuldade era te passar a experiência de que não basta executar uma sucessão de elementos diferentes para criar o efeito de uma relação entre eles.
Convidamos você para trabalhar com a Sanjukta Panigrahi e seus músicos em Holstebro. Era uma oportunidade para descobrir as possibilidade do seu saber graças a outra tradição. Ela não falava português, você não falava inglês. Eugenio deixou vocês dois sozinhos na sala preta com a tarefa de criarem uma cena juntos. O único modo de comunicar era usando uma linguagem cênica. Sanjukta começou a improvisar, passando da representação de um elefante a de um pavão, de Rhada a Krishna, de uma serpente a um demônio. Você a seguiu, respondendo às suas transformações com as tuas: de Oxumaré a Nanã, de Iemanjá a Ossãe, de Iansã a Ogum… Para marcar a mudança, ela rodopiava. Juntos, encontramos o estratagema que você poderia usar: um procedimento parecido com um barravento, aquela leve perda de equilíbrio com uma inclinação para trás que marca o momento em que um devoto é possuído por um orixá. Quando você mudava de orixá, era como se o barravento transfundisse uma nova energia em seu corpo.
Tínhamos receio de que a familiaridade de trabalho que você tinha com a Sanjukta pudesse criar alguns problemas. Você a tocava e a tomava em seus braços seguindo os costumes brasileiros e as convenções da dança ocidental. Esse era um comportamento tabu na dança tradicional indiana, especialmente para uma brâmane como a Sanjukta. Ela nos tranquilizou com um sorriso malicioso. No fundo, parecia que gostava da sua afetuosa irreverência. Os músicos da Sanjukta achavam que suas danças eram pouco refinadas e as comparavam com danças indígenas ou populares. Poucos dias depois, você os conquistou com a força da sua dança. Tinha segurança de si e aquela alegria que permite que os brasileiros usem palavras como negro e povo sem inibição, e que chamem os presidentes da república com o nome, e não com o sobrenome.oNaquela semana, em Holstebro, você também trabalhou com os atores do Odin Teatret. Estávamos na nossa sala branca. Oxalá, o velho, com as costas cada vez mais curvadas devido ao passar dos anos, acabou com nossas pernas. E mesmo assim era impossível não gostar de você. Com os alunos foi a mesma coisa: quanto mais você os desafiava, quanto mais suavam e mancavam, mais estavam dispostos a fazer qualquer coisa para te seguir e ficar perto de você. Em Holstebro você também fez sua primeira demonstração. Pedimos que nos apresentasse todas as danças que conhecia e nos contasse sua autobiografia artística. Então atacou nossos depósitos para montar os figurinos dos vários orixás. Você ainda não confiava na eficácia da “ação nua” e queria nos impressionar. Depois nos falou sobre seus primeiros mestres: Mestre King, do Balé Folclórico, nos anos 1970; e Emilia Biancardi, que dirigia o grupo Viva Bahia.
Seus olhos tiveram que aprender a criar o que não existe. Criar uma relação através do olhar é uma técnica evidente para um ator, mas não é evidente para um dançarino que se concentra no desenho dos próprios movimentos, e não na imagem que deve ser produzida na cabeça de um espectador. Quando trabalhamos na cena entre Iansã, Ogum e Xangô, eu me deslocava no espaço para que você visse, com clareza, onde estava Iansã quando você dançava Ogum ou Xangô, e onde estavam Ogum e Xangô quando você dançava Iansã. Você entendeu tudo isso com o corpo ao pensar na distribuição no espaço: Ogum olhava de longe e depois corria para separar o outro casal; depois você era Iansã à direita, que levantava suas saias ao vento na direção de Xangô, e quando você virava Xangô, deslizava para o lado oposto com os punhos fechados.
Depois aprendeu a projetar e a fixar seu olhar no espaço para indicar o modo em que Iansã – enquanto dançava – convidava Xangô, seduzia-o, trazia-o para si ou o afastava. Ogum, dançando no mesmo lugar e com um olhar que vinha de baixo como o dos animais prontos a atacar, espiava Iansã e Xangô dançando juntos. O seu Ogum segurava uma espada e um escudo: primeiro mostrava a palma da mão, depois o seu dorso, numa rápida sucessão. O seu Xangô se emaranhava nas saias de Iansã não só movendo os braços pra frente e pra trás, mas também com os olhos, que tentavam dominar a natureza selvagem e tempestuosa da mulher que tinha diante de si.
Não me lembro exatamente quando foi que o Eugenio resolveu trabalhar com você sobre a história de Otelo. Pode ser que o ciúme entre Ogum e Xangô tenham lhe sugerido esse tema. Como diretor, ele precisava de um ponto de partida pessoal. Se você usava elementos da sua cultura – a dança dos orixás –, ele podia te encontrar no meio do caminho com a bagagem da própria cultura: as árias da ópera que as bandas dos vilarejos italianos do sul da Itália tocavam nas praças para as festas do Santo Padroeiro. Otelo, um negro, era um personagem perfeito para você e que todo o público do planeta podia reconhecer.

Odin Teatret & CTLS Archives. Espetáculo: Orô de Otelo. Diretor: Eugenio Barba. Foto: Giovanna Talà


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