[...] Os pigmeus realizam, em textura polifônica, o princípio da música modal que leva, em última instância, à superação da melodia pelo pulso: aqui não temos temas, nem mais movimentos de melodia; em vez disso, uma harmonia de ritmos que resulta de uma intensa e impressionante saturação melódica. As vozes se sobrepõem segundo o sentido original do contraponto: ponto contra ponto, nota contra nota. [...] A polifonia das alturas e durações, unida à granulação dos timbres rebatidos da voz, leva a uma estranha vertigem de tristezalegria” (WISNIK, 1989: 86-87).
Para os Pigmeus Baka, que habitam as florestas tropicais dos Camarões, do Gabão e do Congo, a música é uma metáfora da vida. Está presente em quase todas as ocasiões, dos rituais de cura aos de iniciação, das canções de caça aos jogos coletivos, do nascimento à morte. O dia-a-dia desses tradicionais nômades da África Central é sempre acompanhado por eventos e atitudes musicais.
Originalmente coletores e caçadores, eles vivem desde tempos imemoriais em simbiose com diversos grupos de agricultores Bantus.
Por várias razões, passam hoje por um processo contínuo de sedentarização. A audição é um dos sentidos mais apurados dos Baka. Comunicam-se na floresta a longas distâncias. São capazes de ler o mundo através da escuta.
Uma das manifestações simbólicas mais fascinantes dos Baka dos Camarões é o Tambor de Água. É um jogo em que mulheres e meninas literalmente “tocam o rio” com seu próprio corpo. Em grupo, elas entram no rio até a cintura e golpeiam com as mãos a superfície da água. Cada uma delas toca um padrão rítmico diferente formando uma textura rítmica sincopada, complexa.
É uma grande diversão. O som da percussão aquática dessas mulheres e crianças, junto com sua polifonia vocal e suas risadas, repercute floresta adentro. E por trás da aparente superfluidade dessa atividade lúdica, podemos perceber também como o brinquedo e o jogo perpassam os processos comunicativos; estão enfim entre as raízes da cultura humana. Como aponta o semioticista tcheco Ivan Bystrina, a “perda de um nexo reconhecível com as necessidades imediatas da sobrevivência, o seu l’art pour l’art que transvaloram estas atividades em fenômeno cultural, portanto em segunda realidade” (BYSTRINA apud BAITELLO JR., 1997: 56).
fonte:::http://reflexaoemmusica.blogspot.com.br/2009/04/pigmeus-baka-e-os-tambores-de-agua.html
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