Gonzalo Hidalgo nos fala sobre sua vida e seu trabalho que conecta as Artes e os fundamentos da Permacultura, em conversa realizada em janeiro de 2018, no
Kilombo Tenondé.
![]() |
Gonzalo Hidalgo . Permangola 2018 . Bahia |
Meu nome é Gonzalo Hidalgo. Eu sou chileno
de nascimento, mas eu moro nos Estados Unidos há mais de 34 anos. Sou artista
formado em performance e também em artes de impressão. E comecei a fazer permacultura
há mais de 25 anos.
A permacultura me encontrou em uma viagem
... meu trabalho artístico tinha muito a ver com objetivos que eram
ecológicos e sociais e comecei a pensar por muito tempo que as condições de
museus e galerias artísticas não davam pra expressar o que eu queria fazer:
interagir com mais gente, inclusive manifestar minha visão do mundo só através
da arte. Fiquei com um compromisso de fazer um trabalho que tinha como objetivo
ter mais contato com mais gente. Que ele fosse um veículo de transformação para
mais gente, e a permacultura foi esse veículo. E eu fui um aprendiz e ainda sou
aprendiz. Aqui ninguém tem qualidade para dizer que ficou maestro apenas. O
verdadeiro maestro é aquela pessoa que pode aprender sempre. Eu acredito que
isso é importante.
Mo: E como foi sua primeira experiência
com a permacultura?
Gonzalo: Eu já tinha trabalhado com
esculturas e sempre tive muita facilidade manual. E estava ensinando em uma
universidade e me ofereceram um mestrado em cultura, ecologia e comunidades
sustentáveis. Então eu fiz o mestrado e comecei a combinar uma situação que
tinha muito a ver com meu trabalho artístico e meu trabalho social voluntário,
em comunidades rurais, comunidades indígenas e também na parte urbana, eu
trabalhava muito com crianças e juventude, transformando áreas que são
abandonadas em jardins comestíveis.
Mo: Então para você o que é a Permacultura?
Gonzalo: Permacultura vem de um conceito
da Nova Zelândia e da Austrália que era a agricultura permanente, que era
satisfazer as necessidades da terra, observando os ciclos da terra,
substituindo um plantio por outro plantio, depois substituir por um plantio que
ficava na terra, para que a terra nunca deixasse de produzir e para que a terra
não perdesse a microbiótica. Depois de um tempo, algumas pessoas como Bill
Wallison e Scotch começaram a perceber que a permacultura não se tratava apenas
de agricultura, mas também tinha a ver com sistemas … os sistemas também
poderiam ser cíclicos, sistemas de água, de energia, inclusive sistemas
humanos. Então assim se criou a permacultura, que é uma cultura permanente.
A permacultura em si, como eu a entendo, é um sistema de éticas e de princípios aplicáveis a uma organização de construção, uma organização de casas, uma organização de um negócio, porque são princípios basicamente éticos, que tem a ver com três éticas importantes, que são: o cuidado com a terra, o cuidado com o ser humano e o compartilhamento de excedente, porque quando os ciclos se fecham e não são produtivos, eles criam excedentes. Então, ao invés de vender o excedente, você compartilha o excedente e faz a vida de outra pessoa melhor, aí acontece um crescimento porque essa pessoa vai ficar melhor e já serão duas pessoas que estão bem. E depois ficam 4, depois 6, depois 10 … depois milhões. Então nós podemos criar um mundo que é muito mais sustentável.
A permacultura em si, como eu a entendo, é um sistema de éticas e de princípios aplicáveis a uma organização de construção, uma organização de casas, uma organização de um negócio, porque são princípios basicamente éticos, que tem a ver com três éticas importantes, que são: o cuidado com a terra, o cuidado com o ser humano e o compartilhamento de excedente, porque quando os ciclos se fecham e não são produtivos, eles criam excedentes. Então, ao invés de vender o excedente, você compartilha o excedente e faz a vida de outra pessoa melhor, aí acontece um crescimento porque essa pessoa vai ficar melhor e já serão duas pessoas que estão bem. E depois ficam 4, depois 6, depois 10 … depois milhões. Então nós podemos criar um mundo que é muito mais sustentável.
Mo: E dentro de tudo o que você esta
falando, como podemos usar a permacultura como uma ferramenta de
descolonização?
Gonzalo: Acredito que na América Latina
seja mais fácil a aplicação da permacultura do que em outros países … porque a
gente já vive em um estágio de pobreza. E um estágio de pobreza necessita como
um estágio de riqueza. É uma contradição, mas é interessante, porque você tem
menos coisas materiais, você está mais sujeito a uma realidade que tem a ver
com alimentação, com energia, sujeito a minimizar um gasto, né? E a
permacultura tem a ver com isso, de sair de uma rede de consumo, seja consumo
energético, de alimentação… um consumo necessário que é formulado através de
uma publicidade, de uma estratégia de necessidade falsa. Então, precisamente a permacultura demonstra a você que
você pode ser o dono dos sistemas alimentares, que você pode crescer e ter
controle de sua alimentação. Você se liberta dos agroquímicos, você sustenta
sua alimentação através do lixo orgânico, compostagem e a compostagem vai pra terra e isso
realmente não tem custo nenhum. Só tem o custo do trabalho, que não é muito
grande. E como são sistemas que vão fechando, o trabalho vem cada vez menos, em
maior produção.
Por isso eu gosto de trabalhar muito na
parte rural. Sem eletricidade, sem transporte … situação ideal para pensar na
permacultura. Começar com mudanças pequenas, você demonstra que pode alcançar
um benefício muito bom.
Mo: Como levar e ampliar o alcance dessa
tecnologia para o povo rural?
Gonzalo: Essa tecnologia é uma tecnologia
apropriada, que existiu por muito tempo. Agora é só recuperá-la. Quando eu faço
uma apresentação numa comunidade rural, muita gente fala "Meu pai fazia isso",
"Minha avó já praticava isso!" . Foram técnicas que foram
desaparecendo, substituídas por técnicas que escravizaram o povo. Mas tem
técnicas que são apropriadas e foram trazidas para o contexto moderno, mas são
técnicas muito antigas, tanto na construção, na produção alimentar, na produção
de energia … Então a permacultura não é uma coisa estranha, uma coisa que está
fora do contexto, que se tem que aprender. Um problema que eu vejo entre muitos
permacultores é que eles estão usando linguagens muito complexas e a verdade é
que é só a linguagem, porque o trabalho é muito simples. De uma simplicidade
incrível. Apenas precisamos conectar coisas e fechar os sistemas, por exemplo,
para o sistema de água: você capta água da chuva, usa essa água no chuveiro, põe
em um filtro natural e logo essa água jorra o jardim. Então com um ciclo você
fecha três ciclos. Prestar atenção nas coisas que estão ao seu redor. Como as
coisas foram feitas antes? Antes a gente não tinha fios de eletricidade, né? O
sol era a energia, usávamos lâmpadas de oleo, esse tipo de coisa … agora é como
um clique, você aperta o clique e a luz acende e você tem que pagar pela
luz. Então veio a energia solar agora,
que está ficando cada vez mais abundante e mais barata. Também se trata de uma
consciência de quanto que você precisa e assim começa a se criar um excedente.
Não é “Quem tem mais, consume mais”. Mas sim “Quanto que você precisa?” Se eu
estou produzindo mais do que preciso, eu compartilho meu excedente com outra
pessoa. Ou faço uma troca, né? Posso trocar eletricidade por feijão, ou trocar
qualquer coisa produzo e que me sobre um excedente, né? Criar
independência na rede, na rede que você não controla, que ninguém sabe quem
controla … Mas cada vez que você está consumindo algo que você não sabe de onde
vem, está fazendo milionário a uma pessoa que não tem nenhum contato com você.
Mo: Como as pessoas que vivem nos
grandes centros urbanos podem viver a permacultura?
Gonzalo: A permacultura é um sistema de éticas e princípios aplicáveis a fechar sistemas de produção e de trabalho. Sistemas de organizações que são aplicáveis ao campo mas também dentro do contexto urbano.
Você começa a fazer pequenas mudanças. Nos centros urbanos tem mais recursos materiais. Como a eletricidade mais abundante, a gasolina com valores mais baixos, e por isso, maior consume também … você consome mais eletricidade porque na cidade você tem muito mais coisas para pôr na tomada. Tem muito mais tomadas nas casas agora do que tinha antes. Se antes os construtores botavam uma tomada por quarto, hoje são cinco. E hoje tudo é elétrico. Então, eu estou envolvido em projetos que propõe criar jardins alimentícios nos tetos dos prédios. É possível usar áreas urbanas de alta densidade também como centros de captação de água ou produção alimentar, ou esse tipo de coisa. Então se tem a possibilidade de gerar crescimento de consciência dentro de um centro urbano também. Por exemplo, o uso das bicicletas como meio de transporte para ir para o trabalho.
Você começa a fazer pequenas mudanças. Nos centros urbanos tem mais recursos materiais. Como a eletricidade mais abundante, a gasolina com valores mais baixos, e por isso, maior consume também … você consome mais eletricidade porque na cidade você tem muito mais coisas para pôr na tomada. Tem muito mais tomadas nas casas agora do que tinha antes. Se antes os construtores botavam uma tomada por quarto, hoje são cinco. E hoje tudo é elétrico. Então, eu estou envolvido em projetos que propõe criar jardins alimentícios nos tetos dos prédios. É possível usar áreas urbanas de alta densidade também como centros de captação de água ou produção alimentar, ou esse tipo de coisa. Então se tem a possibilidade de gerar crescimento de consciência dentro de um centro urbano também. Por exemplo, o uso das bicicletas como meio de transporte para ir para o trabalho.
Mo: Como você vê um evento como esse, o
Permangola?
Gonzalo: O permangola nasce do conceito…
Vou contar como conheci o Mestre Cobra Mansa. Tem uma FICA na cidade de Oakland
(EUA), na California, onde vivo. Tem um ritual que é sempre em novembro, no qual os indígenas vão a Alcatraz, uma ilha que está no centro desta Bahia, uma ilha
que foi uma prisão por muito tempo. Esse ritual se chama “Ritual da Saída do
Sol” e vai muita gente, muitos indígenas mexicanos … se juntam de madrugada. Quando o sol nasce, todos
começam a dançar e ficam horas dançando, uma coisa linda linda! Eu estava
conversando com um grupo de amigos e precisava de um bilhete para entrar no
ferry e chegar na ilha... entaão vejo um Rasta com uma garota, que me fala “tenho dois bilhetes aqui
para vender”. Comprei o bilhete e fui conversar com outras pessoas. Logo estou
na fila e vem um capoeirista do México e me saúda. De repente ele diz “Mestre,
mestre! Este é o cara que te falei da Permacultura!” e aí me aparece o Rasta
que me vendeu o bilhete! Era o Mestre Cobra Mansa. Então subimos no ferryboat,
começamos a conversar e ficamos conversando por três dias! No ano seguinte eu
tinha que vir a São Paulo e Cobra Mansa me falou do evento chamado
“Permangola”, que levavam mais de três anos fazendo, naquela época. Eles propunham a
união da Capoeira Angola com a Permacultura. Então, de Sao Paulo vim para
Valença. Há 8 anos atrás … E aqui começamos a trabalhar … pensar no que o
evento precisava para melhorar, o que precisava a localidade de Bonfim, em
Valença … pensar no que o Kilombo precisava, analisar o presente e pensar no
que podia ser feito para o futuro …
Eu gosto muito dessa essência que a
permacultura apresenta … as estratégias de como manejar um terreno, como fazer
um desenvolvimento sustentável … de encontro com a capoeira, que trás a
disciplina e a espiritualidade, o que muitas vezes você não encontra em grupos
de Permacultura.
A espiritualidade cria um movimento dentro da capacidade humana para as coisas que não são compreensíveis mas que são necessárias.
Para finalizar, eu gostaria de estender o
convite às pessoas que terão acesso a essa conversa, que se aproximem da
Permacultura, que se aproximem do Permangola, onde a permacultura se encontra
com a capoeira angola e ficam nessa dimensão … conectando agro-floresta,
bioconstrução, captação de água, plantio, espiritualidade e interação humana ... Todo o propósito do que fazemos tem a ver com interação entre pessoas …
temos que entender o que é o outro … que o outro não é um estranho … o outro é
parte de nós. Todos Somos Um. Eu reconheço em você minha pessoa, minha
necessidade e minha intenção.
Comentários
Postar um comentário