Estamos simplesmente replicando o pensamento opressor? |
“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. ( Paulo Freire ).
Poderíamos facilmente trocar a palavra educação por capoeira, ao almejar ocupar o lugar do opressor, inconscientemente o indivíduo deseja a manutenção da estrutura social ampla na qual ele hoje se sente oprimido, na esperança que um dia seja ele a oprimir. Estaria a mentalidade colonial tão incutida dentro de nós que não conseguimos nem mais refletir quem fomos, o que somos ou o que estamos fazendo para as futuras gerações? Estamos simplesmente replicando o pensamento opressor?
Como lutar por uma decoloneidade corporal, mental e social quando convertemos os nossos símbolos de resistência em simples eventos, espetáculos, porque quando isso acontece converte-se também o que era originalmente perigoso em algo limpo seguro e domesticado, pois retiramos o seu poder de rebeldia.
Nós capoeiristas estamos lutando por um projeto decolonial, com a intenção de provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir? Um projeto decolonial implicar em uma luta contínua. A dimensão estética da capoeira quando é apropriada e controlada pela indústria cultural massificante nos leva a um processo de alienação da nossa própria cultura ancestral.
Então este reconhecimento estético/cultural reduzido ao exotismo espetacular realmente nos interessa ?
Mesmo assim, alguns capoeiristas bem ou mal intencionados acreditam que, mesmo com a dominação das mega indústrias criativas capitalistas, poderemos conseguir trazer algum benefício para a capoeira.
Ou satisfazem apenas as vaidades pessoais e as imposições do sistema opressor, racista, machista e colocam a capoeira dentro da lógica da espetacularização, do show, do entretenimento, da competição que caracteriza a sociedade contemporânea, capitalista, patriarcal, heteronormativa, colonizadora …
A Capoeira perde a sua função de resistência e ser tornar vulnerável, tombada (caída), domesticada, colonizada. Por que temos que continuar com essas competições em que somos obrigados a competir entre nós simplesmente para divertir os outros e distrair a atenção para os verdadeiros problemas sociais que atingem a capoeira e a nossa sociedade atual? Os defensores desses mega espetáculos argumentam que a capoeira finalmente tem um apoio que merece, ou seja, temos uma grande empresa multinacional para se fazer um trabalho com tamanha desenvoltura. Não estariam eles simplesmente surfando na onda da capoeira que, com suor, sangue e lágrimas conseguiu depois de séculos sendo discriminada, trilhar seus próprios caminhos ?
Acredito que Red Bull oferece uma plataforma para que aqueles que querem fazer um espetáculo.
A questão que gostaria de refletir com os organizadores é: até quando vamos continuar fazendo espetáculos só pra divertir, sem consciência?
Fica uma pergunta: se essas grandes empresas realmente gostariam de fazer um trabalho em que a capoeira pudesse mostrar todo o seu potencial, poderíamos tentar alguma proposta diferente como eleger com prêmios e patrocínios o melhor trabalho social de capoeira, o trabalho mais completo de capoeira com educação? A escola ou grupo mais completo em trabalhos sociais, para o desenvolvimento da capoeira de forma integral? Uma bolsa de estudos integral para os estudantes de capoeira da periferia que mais se destacarem nos estudos dentro da capoeira e na escola pública?
A capoeira durante toda a sua trajetória tem demonstrado um histórico diferente das outras modalidades marciais. O capoeirista, tanto do presente como do passado, procurou mostrar que a capoeira é uma arte multidisciplinar. O histórico da capoeira já provou que por mais que essa sociedade não queira, que não cabemos dentro das pequenas caixas impostas por essa sociedade moderna.
Depois de tantas lutas e sacrifícios de nossos ancestrais acredito que está na hora de nós, capoeiristas, mostrarmos quem somos e o que queremos, buscando apoio e aliança daqueles que querem estar conosco nessa luta de forma integral.
Como queremos ser lembrados? Qual é o legado que deixaremos para as futuras gerações de capoeiristas? Estamos cumprindo os desejos de nossos ancestrais?
Como estamos construindo a nossa ancestralidade dentro e fora da capoeira?
Já paramos pra pensar que capoeira nós estamos ensinando para nossas futuras gerações?
Ao invés de unir contra uma exploração social, cultural será que estamos por livre e espontânea vontade entregando a capoeira ao sistema capitalista?
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Este artigo foi escrito por Mestre Cobra Mansa
Mestre de Capoeira Angola
Doutorando do DMMDC - UFBA e membro da Rede Africanidades - BA
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