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A Dança do Transe Gnaoua. Por Mo Maie

os espíritos que iluminam a noite, os espíritos que sopram através do vento, os espíritos que caminham pelas florestas e desertos, os espíritos que fazem tremer montanhas, Os espíritos que enfrentam a tempestade, um cavalo de vento que reina sobre o mar e sobre as espumas do oceano ... somos escravos da pele recém-marcada. seja testemunhas destas marcas, que nunca vão se apagar ºº Canto gnaoui


os gnaouas
Este ano participei do projeto Dança Afro: Corpo em Estudo. Uma proposta super interessante, em que tivemos vivências com várias mestras e mestres de distintas modalidades de dança afro em Salvador e, ao final da experiência - que durou quase um mês, cada participante concebeu uma proposta de aula de dança.

Em minha proposta escolhi trabalhar a dança, o corpo e o transe, inspirada nas experiências de iniciação nos rituais da comunidade gnaoua, no Marrocos, que vivi em 2008, me havendo marcado profundamente.

Por estar na Bahia, a idéia foi conectar as influências dos caminhos do transe gnaoua com o transe do candomblé afro-brasileiro, através do estímulo de sonoridades e cores, que são os caminhos que norteiam as cerimônias gnaouas.

Sobre Os gnaouas
O essencial da Confraria Gnaoua é um rito de possessão chamado “Derdeba”, em que se misturam elementos africanos, sufis e árabo-beriberes, onde a dança, o canto e a execução de alguns instrumentos musicais contribuem para a criação de um clima hipnótico e sinestésico, que gera o transe nos adeptos com a intenção de realizar a cura corporal e espiritual da comunidade ou de algum enfermo específico.

O transe dentro da concepção geral da cerimônia é uma espécie de manifestação “catártica”, mas com grande valor espiritual. É só no meio da noite, no momento de sonhar, que começa o rito de posse chamado “Derdeba” ou LILA (que, em árabe significa “noite”).
A celebração pode durar uma noite inteira, desde o pôr do sol até o amanhecer, mas dependendo da intenção, podem durar de três a sete dias. As “Lilas” de videntes (Mokdema ou Mokdem) ou mestres (Maalems) são mais intensas e podem durar até 7 dias. Existem ainda rituais com a exclusiva participação de mulheres (as Haddarate), realizados nos espaços fechados de alguns santuários e de acesso muito restrito, durante os quais as vozes femininas elevam a Alá litanias e cânticos secretos.

As “Lilas” tem maior ocorrência no mês lunar do “Chaâbane” (período que precede o mês do Ramadam, quando os muçulmanos celebram a revelação do “Alcorão” aos homens e jejuam durante um mês). Durante o “Chaabane”, os “Djines” ou espíritos são “acorrentados”. Os “servos” fazem inúmeras “Lilas” em mausoléus de santos Gnaoua e devem sacrificar um galo azul (se pobres) ou um touro negro (se ricos).

Transe. Mo Maie, A dança para o Orixá Omolu, o Senhor da Terra. Marrocos, 2012

O transe

Do latim transire – «atravessar», a palavra transe veicula a ideia de limiar, conduto ou canal. Desde o século V, a palavra transe é utilizada para designar a passagem da vida para a morte e foi no século XIV que toma o sentido particular de estado psíquico.
Transe é catarse. É deixar-se atravessar. Canalizar. Passar. Abrir caminho e pedir passagem.
O transe é um caminho. Um caminho pelo qual o próprio corpo atravessa. Um caminho que conecta o ser humano com o divino, diretamente. Conecta o homem com o “axé”, a “baraka”, o “prana” - um presente da vida espiritual que pode ser usado na vida prática.
A busca pessoal pelo movimento de repetição que vai gerar seu transe e o mais importante: abrir-se para seu próprio transe.
O transe gnaoua é um convite a atravessar durante uma noite (Lila, que em árabe quer dizer noite) por uma representação da própria vida e da morte a fim de chegar ao renascimento. Através do caminho da “Lila gnaoua”, vamos atravessar por sete portais, passar pela vida, pela morte e pelo renascimento. A fim de nos transformarmos. Mesmo que inconscientemente.
A proposta da dinâmica que fizemos começa com uma roda, em sentido anti-horário. Aqui respiramos e sentimos a respiração, o ar tocar todo o corpo, acionar o corpo. A roda se fecha e as pessoas encostam as palmas das mãos umas nas outras. Todos se sentam com as mãos conectadas, sentindo a respiração pessoal e a respiração do grupo.
Uqba- O jogo de mãos. Parte feminina, todos batem palmas, e chamam os espíritos ancestrais. 
Bater palmas é a representação da vida, do início, quando o ferro ainda não existia. Por esta razão, os músicos utilizam as palmas, e não os krakabs (castanholas de ferro): unem a mão direita (a vida) e a esquerda (representando a morte) e cantam os 99 nomes de Alla. 
Depois deste momento Uqba, vem o momento “Meksa”, que representa o ferro e o sacrifício. Os músicos começam então a utilizar os krakabs, o ferro alquímico do sacrifício.
E logo que os krakrabs começam a soar pelos ares, começa a Derdaba – o ritual dos cantos e danças evocando as entidades encantadas (Mlouks).
É a Dardaba que nos leva a atravessar pelos três portais.
Cada portal está associado a uma cor. E cada cor corresponde a uma entidade, como os orixás do candomblé brasileiro.
Nas “Lilas” comuns, os músicos entoam seu canto e sua música, enquanto mulheres invisíveis dançam o transe para incorporar os “Mluks”, os espíritos de diferentes cores, também chamados “Djines” ou “demônios”. 
A sensualidade tão comum e natural nos corpos africanos aqui deve ser tapada por véus coloridos durante a LILA Gnaoua (influências de costumes muçulmanos, quando a mulher deve ser tapada socialmente). O corpo da mulher que dança o transe vai se desumanizando, tornando-se impessoal. Passa a estar diretamente relacionado a uma divindade e, por extensão, aos elementos da natureza a ele associados, levado pelo comando das músicas. O transe torna-se a forma de contato entre os deuses ou espíritos da natureza e a comunidade religiosa.
Da mesma maneira acontece nos cultos do candomblé, quando a música e a dança geram a possibilidade de cura e superação de crises do cotidiano, através da “suspensão” da identidade cotidiana e da abertura de espaço àquela do Orixá. Durante o fenômeno do transe, o corpo da filha/filho de santo se torna o próprio Orixá. A música, então, desenvolve o papel de organizadora da desordem do exterior e do interior e a dança expressa o equilíbrio e a ordem alcançada. Para o participante ocasional de uma LILA ou de uma cerimônia de candomblé ou umbanda, todo o conjunto do ritual (como os gestos, o cheiro do insenso, as roupas, os cantos, os ritmos, as danças) pode parecer elementos de um verdadeiro show, mas aquilo que se faz público é também extremamente misterioso e dotado de simbologias que transcendem aquilo que os sentidos percebem. A chegada do orixá entre os mortais é assinalada por cantigas de saudação apropriadas, todas numa seqüência lógica. Da mesma maneira, há uma seqüência lógica e ritualística também nas práticas gnaouas, mas aqui são os “Mluks”, os “Djines” representados pelas cores.

São três portais, que vêm depois do Kuwu:

- O portal dos Jilala::: a vida, a paz, o início
- Jilala – O ar, respiração, paz, a alma estática, a vida, o esperma, a espuma.
- Mluks da terra – Obaluaê.
- Mluks da floresta – Oxóssi – Verde: A natureza, as plantas.
- Mluks do céu e do mar – Sid Moussa, Samaoy, Yemanjá.

- Baba Hamou – Yansã: o fogo, o sangue, a penetração, a morte.

- A portal dos Gnaoua::: o preto, o fim, a morte, o vazio

- Aysha Kandisha Hamduchia: metade mulher, Aysha chega antes do amanhecer.

- Lala Mimouna: a fecundidade, o espírito africano feminino, a morte, o mistério, o medo.

Nanã: A LAMA.

- O portal das mulheres árabes:::

- Lala Mira – Oxum
O tesouro da vida, o ouro, o sol, a vida, o renascimento.


RESPIRAÇÃO

Os xamanes utilizam sistematicamente a música e particularmente os ritmos para produzir estados de transe. Frequentemente, as danças acompanham os rituais e por vezes, utilizam certas plantas para contribuir a estes estados. Mas, este tipo de mecanismo pode ser encontrado em muitas tradições posteriores que praticavam o transe. Os sufis, por exemplo, utilizam danças e músicas para entrar em contacto com o sagrado. As tradições animistas africanas ou religiões vudu produzem também estados de transe por danças e músicas. A prática oriental dos mantras, também recorre a uma noção de ritmo, bem mais importante que o sentido dos próprios mantras.

Grau de Dificuldade – Havendo disposição e energia física não haverá dificuldades em ao menos tentar começar a dançar. O que será mais difícil é dançar com liberdade e por tempo suficiente até que o transe comece a ser formado, pois isso pode levar desde alguns minutos até muitas horas.
Para quem nunca experimentou esse tipo de situação, ela poderá ser despertada a partir de trabalhos rituais e terapêuticos específicos envolvendo técnicas com danças, como a biodança e as danças sagradas circulares.

O giro sufi::::: fazer uma pergunta e começar a girar:

O corpo é o veículo de todas as sensações inclusivé da sensação de ausência de corpo. E isso tem a ver com leveza. A sensação nasce sempre no seio de um corpo-cérebro. Só um corpo bem enraizado experiencia plenamente sensações de flutuabilidade. Eu diria até que a maioria das pessoas vive todos os dias completamente dissociada do seu corpo, sem qualquer consciência do corpo no espaço, no tempo e em si mesmo. Amar o corpo é fundamental. A alma move-se por entre a pele traçando no corpo e no gesto partículas da personalidade e singularidade de cada um. A atitude do corpo no seu todo aparece como espelho da alma como expressão global da pessoa

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Mo Maiê, Alto da Sereia, setembro de 2013 


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