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Bwiti e Ngombi. Música e Ritual bakongo

Ritual Bwiti, do Gabão

A linha de Kalunga, os fluxos desta Kalunga vão nos levando pelos mares transatlânticos...

Vamos Seguindo as linhas de navegação sem pressa, honrando e agradecendo. 

Estou há um tempo concebendo uma vivência que une filosofia bantu, música e consciência corporal. Percebendo a necessidade de ancorar os trabalhos desta vivência em uma família de instrumentos musicais, minha caminhada vem me levando aos arcos e harpas afrikanas.

Cheguei desta vez, depois de muita meditação, ao precioso instrumento musical chamado Ngombi, um instrumento de cordas, uma harpa, muito comum no Gabão. O Ngombi é usado durante os rituais de Bwit, religião do povo Mitsogo, neste país.

A Áfrika é muito conhecida por seus tambores, mas pouco se fala da riqueza das cordas afrikanas. Isso bem me disse um amigo de Guiné Bissau.

Mas a Harpa existe desde os tempos do antigo Egito, Kemet, a terra negra. As antigas harpas de Kemet datam de mais de 5.000 anos e eram usadas no dia a dia e nos rituais desta antiga civilização.

Harpa do Antigo Egito 

Pouco falamos sobre um país tropical chamado Gabão, situado na costa atlântica na África Equatorial Central, fazendo fronteira com Camarões, Congo e Guiné Equatorial.

Parte do Império Bakongo, o Gabão é herdeiro de inúmeras tradições ancestrais, dentre estas um instrumento chamado Ngombi, instrumento que parece ter originado das antigas harpas do antigo Kemet, e que participa dos rituais religiosos Bwiti, comum tanto nas selvas do interior do país, quanto na costa.


Gabão, África
Conta-se que nos últimos 20 anos o Bwiti, antiga religião, atravessou fronteiras e chegou a Camarões, Congo, Zaire e Guiné. Considerado por seus membros como uma religião universal monoteísta, acessível a qualquer pessoa, o Bwiti é um ritual que envolve o transe através da música e do uso do Iboga, uma planta com propriedades alucinógenas (possui DMT, mesmo princípio presente no Ayawasca).

De acordo com a cosmogonia Bwitista, as propriedades alucinógenas do Iboga foram descobertas pela primeira vez pelos pigmeus no interior da selva. 

Estes passaram seu conhecimento para os Apindji e os Mitsogo, que iniciaram os primeiros rituais Bwitistas. Mais tarde, estes conhecimentos foram transmitidos para os Fang, Eshira e outros grupos étnicos em todo o sul do Gabão. (Samorini, Giorgio. "The Bwiti Religion and the psychoactive plant Tabernanthe Iboga (Equatorial Africa).)

Devido à sua contínua reforma, o Bwiti original assumiu certas características de outro culto ancestral chamado de Byeri, em cujos rituais foi usado um alucinógeno diferente, o alan (plural, melan).

O Byeri defende um culto privado praticado pelos descendentes de famílias patrilineares. No clímax da cerimônia de iniciação, o iniciado, sob a influência de uma dose forte da raíz, é apresentado para o crânio de seus antepassados, e a partir daí, ele poderia se comunicar com os espíritos do morto.

Por muito tempo o Bwiti foi considerado um culto ancestral e até hoje, a palavra Bwiti é traduzida como morto ou antepassado. No entanto, a etmologia pode vir de "Mbouiti", o nome de um grupo de pigmeus atualmente ocupando uma região entre o Gabão e o Zaire.

O ngoze, ou cerimônias noturnas costumeiras são tempo de fervor religioso, coletivo, alegria, banquete, quando preparam o iboga. Também momento de amar uns aos outros.

Durante a noite, os participantes dançam, brincam e cantam. Vestem-se com diferentes cores, branco, azul, amarelo, de acordo com as cores de sua própria comunidade ou o dia da semana. Com os rostos pintados por um pó branco, caem sob os efeitos do iboga e dançam, tocam e cantam por longas horas e exaustivas danças do mais puro espírito tribal afrakano.

As danças são guiadas por esquemas coreográficos precisos. A dança mais comum é uma longa fila de pessoas que se movem no interior do homem-templo. Cada pessoa repete o movimento da pessoa na frente. Tudo isso ao ritmo de vários instrumentos musicais: o arco musical, bastões e outros instrumentos de percussão e durante a segunda parte da noite, a harpa sagrada (ngombi). De vez em quando eles descansam, bebem, riem e ficam felizes.

Ngombi, instrumento de cordas da Áfraka Equatorial Central

Durante a última parte da cerimônia nas primeiras horas da manhã, toda a comunidade experimenta um fluxo coletivo de emoções, resultando no que os Bwitis chamam de "nlem myore" (um só coração), um estado em que as pessoas se entendem e tornam-se um em comunhão.

Na mitologia Bwitista está a existência de um único Deus, Nzame Mebeghe, um deus semelhante ao cristão, ainda menos irritado e vingativo (não existe um inferno). No começo dos tempos, Nzame criou um ovo do qual nasceram Eyene, None e Gningone.

Gningone é uma entidade feminina, considerada a mãe da raça negra. Entre os Fang, bem como entre outros grupos africanos, tudo relacionado à mãe - terra, ao princípio feminino mantém seu valor primário ligado à fecundidade.

A história de Muma, a história da descoberta de Iboga e a origem do Bwiti tem diferentes versões, não apenas entre os Fangs, mas também entre os Apindgi, Mitsogho e Eshira.


Mo Maiê,
Bahia, Setembro de 2017
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Fontes:
www.myeboga.com/eboga/the-bwiti-iniciation
www.ibogaine.mindvox.com/articles/bwiti-religion/
Samorini, Giorgio. "The Bwiti Religion and the psychoactive plant Tabernanthe Iboga (Equatorial Africa)


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