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O poder da palavra encarnada: a força da tradição oral



quadro de Roberto Oswaldo Griot, um griô brasileiro

O mundo todo cabe dentro de uma história. Qualquer lugar é lugar pra se contar uma história. A tradição griô nos ensina que o terreiro de nossa casa é o primeiro lugar onde a contação acontece. De forma orgânica, natural. Sao os causos que nos contam nossas mães, nossas avós que nos levam a viajar pelos lugares mais fantásticos de nossas infâncias, lugares que vão nos marcar profundamente pelo resto de nossas vidas.

Na semana passada finalmente tive meu primeiro contato real com a "Pedagogia griô", que vem sendo desenvolvida por educadores do Projeto Grãos de Luz e Griô, com sede em Lençóis, na Chapada da Dimantina. Participei de uma vivência promovida por jovens multiplicadores da metodologia em um Festival de Arte Negra, em Salvador. Quatro jovens nos levaram a caminhar através de rodas de diálogo e troca, através de cantos e histórias que aprenderam através de anciões da Chapada da Diamantina. A experiência me emocionou profundamente, foi uma vivência rápida mas durou o suficiente para plantar em todos nós presentes a essência do ensino griô, a celebração da vida através de rodas de prosa, rodas de danças, rodas de partilha. 

Vivências como essa batem fundo no peito. E me fazem relembrar o quão importante é repensarmos a força da palavra falada. A palavra é som. O som é vibração  Até mesmo um simples pensamento é vibração  E quando um pensamento vira verbo, reverbera no espaço. Cuidado com aquilo que pedes, diz o ditado. Sim, o pensamento que vira verbo existe no mundo. É. A cultura africana, bem como a maior parte das culturas tribais nos relembram deste poder. A palavra é vida, é ação, é maneira de aprender e de ensinar. A palavra possui força vital, capacidade de criar e transformar o mundo. 

A oralidade é uma forma encarnada de registro. Tão complexa quanto a escrita. E seu poder não pode nem deve nunca ser menosprezado pela evolução de nosso mundo. A escrita é uma coisa e o saber é outra. O Brasil por ser herdeiro de índios e africanos, é um país essencialmente oral. Essa consciência deve nos levar a reconhecer cada vez mais a importância de nossos mestres, de nossos avôs e avós. Uma civilização que perdeu o costume de ouvir as histórias dos mais velhos nunca vai conhecer completamente sua história e nunca vai poder mudar o rumo de seu futuro. 

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