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Capoeira Angola

             


Para falar de capoeira, é preciso pedir licença antes. Porque para nós capoeiristas a capoeira é uma coisa sagrada.

Cada pessoa tem seu próprio jeito de jogar. Cada pessoa, conforme seu corpo/espírito vai aprendendo sua própria maneira de desenvolver seu ngolo.

Mestre Damião
Mestre Paulo Brasa
Mestre Cobra Mansa e Mestre Lua Rasta
Mestre Pastinha


CAPOEIRA ANGOLA, por MESTRE PASTINHA

"Pratico a verdadeira Capoeira Angola e aqui os homens aprendem a ser leais e justos. A lei de Angola que herdei de meu avós é a lei da lealdade. A Capoeira Angola, a que aprendi, não deixei mudar aqui na Academia. Os meus discípulos zelam por mim. Os olhos deles agora são os meus". 
"O que eu gosto de lembrar sempre é que a capoeira apareceu no Brasil como luta contra a escravidão. Nas músicas que ficaram até hoje se percebe isso. Entenda quem quiser, está tudo ai nesse versos o que a gente guardou daqueles tempos". 
"Mas o que serve para a defesa também serve para o ataque. A Capoeira é tão agressiva quanto perigosa. Por causa de coisas de gente moça e pobre, tive algumas vezes a polícia em cima de mim. Barulho de rua, presepada. Quando tentavam me pegar, eu me lembrava do Mestre Benedito e me defendia. Eles sabiam que eu jogava capoeira e queriam me desmoralizar na frente do povo. Por isso, bati alguma vez em polícia desabusado, mas por defesa de minha moral e do meu corpo." 
"Quem não sabe lutar é sempre apanhado desprevenido. Agora que o ritmo está mais apressado, sinto a agilidade desses dois homens e imagino raiva, medo, despeito, desespero empurrando esses pés... uma vez vi um capoeirista afugentar uma patrulha inteira". 
"Não se pode esquecer do berimbau. Berimbau é o primitivo mestre. Ensina pelo som. Dá vibração e ginga ao corpo da gente. o Conjunto de percussão com o berimbau não é arranjo moderno, não, é coisa dos princípios. Bom capoeirista, além de jogar, deve saber tocar berimbau e cantar."
"Saem daqui da Academia sabendo tudo. Sabendo que a luta é muito maliciosa e cheia de manhas, que a gente tem de ter calma. Que não é uma luta atacante, ela espera. Capoeirista nunca dizia a ninguém que lutava. Era homem astuto e ardiloso, como a própria luta, que se disfarçou com a dança para sobreviver depois que chegou de Angola. Capoeirista é mesmo muito disfarçado. Contra a força só isso mesmo. Está certo."
"O Capoeirista é um curioso, tem mentalidade para muita coisa, sabendo aproveitar de tudo o que o ambiente lhe pode proporcionar. E a Capoeira Angola só pode ser ensinada sem forçar a naturalidade da pessoa. O negócio é aproveitar os gestos livres e próprios de cada um. Ninguém luta do meu jeito, mas no deles há toda a sabedoria que aprendi. Cada um é cada um."
"E jogar precisa ser jogado sem sujar a roupa, sem tocar o corpo no chão. Quando eu jogo, até pensam que o velho está bêbado, porque fico todo mole desengonçado, parecendo que vou cair. Mas ninguém ainda me botou no chão, nem vai botar."
"Ninguém pode mostrar tudo o que tem. As entregas e revelações têm de ser feitas aos poucos. Isso serve na capoeira, na família, na vida. Há segredos que não podem ser revelados a todas as pessoas. Há momentos que não podem ser divididos com ninguém."
"Os negros usavam a capoeira para defender a sua liberdade. No entanto, malandros e gente infeliz descobriram nesses golpes um jeito de assaltar os outros, vingar-se de inimigos e enfrentar a polícia. Foi um tempo triste da capoeira. Eu conheci, eu vi. Nas bandas das docas... luta violenta, ninguém a pôde conter. Eu sei que tudo isso é mancha suja na história da Capoeira, mas um revólver tem culpa dos crimes que pratica ? E a faca ? E os canhões ? E as bombas ? A capoeira angola parece uma dança, mas não é não. Pode matar, já matou. Bonita! Na beleza está contida sua violência". 

Mestre Pastinha



Então, Mestre Pastinha é o ancestral da capoeira que mais influencia minha capoeiragem. Uma grande referência, um bisavô, uma grande árvore. Conta-se que certa feita Pastinha conheceu um artista de Angola que lhe contou que em sua terra se jogava uma dança parecida com a capoeira, chamada Ngolo.

Pastinha também é considerado o "filósofo" da capoeira. Seu livro "Capoeira Angola" é uma grande lição e inspiração para os capoeiristas compreenderem mais sobre essa arte e essa luta de resistência.


Capoeira Angola, Mestre Pastinha

CONEXÕES ENTRE A CAPOEIRA E O NGOLO:




A capoeira é uma arma de auto-conhecimento para o povo brasileiro. A capoeira é nossa aula de resistência, nossa aula de libertação. 

Capoeira: Luta do Negro pela Libertação

CONEXÕES ENTRE A CAPOEIRA E A FILOSOFIA DA ÁFRICA BAKONGA, por Fu Ki.Au:

O texto abaixo foi gentilmente cedido por Daniel Mattar, treinel da FICA. O texto foi transcrito a partir de fitas K7 contendo a gravação da palestra do Dr. Fu Kiau, realizada em Salvador (1997) no III ENCONTRO INTERNACIONAL DE CAPOEIRA ANGOLA Fundação Internacional de Capoeira Angola - FICA
Palestra do Dr. Fu-Kiau (Lemba Institut - New York/USA) Salvador/Ba, agosto de 1997.

FITA 1 - LADO A

Dr. FU-KIAU: Eu vou falar pra vocês do nascimento do mundo da capoeira na terra Congo. São alguns fatos que nós temos que conhecer antes de começar qualquer coisa. Entre 1500 A.C., essa área particular que chama Angola e Congo foi visitada por fenícios. Essa visita foi a primeira registrada fora do continente africano, então foi a primeira visita conhecida pelos ocidentais. Entre esse período que nós falamos e o século XIII há um silêncio total, não sabemos nada. Depois deste tempo, o século XIII, que o reino do Congo-Angola cresceu. Esse reino era muito poderoso nesse momento particular (nessa época) . Esse reino era tão poderoso que era conhecido... era tão conhecido, que tinham livros escritos sobre esse reino. Vários professores universitários pesquisaram sobre esse reino, na Europa. Um deles chama-se Lopes, de Portugal; um outro chama-se George Balandier, da França, e George Balandier é um dos mais conhecidos dessa época da história do Congo, porque é dentro da pesquisa dele que nós encontramos (buscamos) as informações sobre o reino do Congo. Ele foi o primeiro europeu a reconhecer que o reino do Congo era tão poderoso, reconhecendo a existência de quatro universidades nesse local. Um deles foi conhecido como Instituto Lemba; o segundo conhecido como Instituto Kimpassi; o terceiro conhecido como Instituto Kikumbi, e o quarto, Instituto Welo (ou Uelo). Urna dessas universidades foi feita para o treino de mulheres. É muito importante insistir nesse fato. Por que essa existência de uma universidade prá mulheres? Porque o Congo acredita que a mulher é (ou está) mais perto de Deus. Porque a existência humana é impossível sem a presença da mulher. Esse reino do Congo, como era conhecido na época, é hoje conhecido com três nomes diferentes. O Ocidente descobriu a importância desse reino e não quis que este permanecesse unido, então dividiram esse espaço em três poderes: o sul deste reino foi para Portugal, conhecido hoje como Angola; o centro foi para a Bélgica, hoje conhecido como Zaire, ou República do Congo; o norte do reino foi dado para a França, e é conhecido também como República do Congo. Mais de 40% dos escravos trazidos para as américas vieram desta região particular. É bem infeliz para nós, porque o mercado de escravo destruiu totalmente este reino. Os maiores mestres que existiam nesse reino foram levados. Todos os jovens entre 15 e 25 anos também foram levados, e o pior, quando eles chegaram no Novo Mundo, por causa do tratamento que eles receberam, esses mestres... todos esses mestres que tinham esse conhecimento, tiveram que morrer. Eles morreram durante a travessia do Atlântico; quando chegaram na terra foram submetidos a trabalhos forçados, e os que não queriam se submeter tiveram que lutar. E como eles não tinham armas como os senhores, eles começaram a se organizar de maneira secreta Nessa medida eles começaram a entender os poderes que eles tinham adquirido na África E a mesma capoeira nasceu na América do Sul e no Brasil. Esta mesma prática existiu no norte da América Não conheci pelo mesmo nome. O ensinamento do que nós conhecemos como capoeira foi conhecido por outro nome, mais conhecido pelos seus aspectos de igreja, e se chamava mong. Então são esses dois nomes: capoeira e mong, o que era a capoeira no Congo-Angola Como eu disse mais cedo, Congo-Angola foi a terra da origem da capoeira, e então no caso o Brasil ter conhecido a capoeira não foi errado, não foi mal conduzido. Achou seu caminho. Temos que entender as crenças e a visão de mundo destes povos. O povo bantu acredita que existem quatro níveis na vida O início de tudo, que nós conhecemos como big bang, é o nível 1, ali embaixo, conhecido como mussoni. Depois do big bang veio o processo de resfriamento, o mundo foi solidificado, e temos o nosso planeta Terra. Esta aí é a etapa 2. É nesta etapa 2 que a vida começa no seu nível mais baixo. E aí vem a etapa 3 onde os animais começam a surgir. É na etapa 4 que os seres humanos surgeim (Anne: eu falei vida no 2, mas eu acredito que seja vida vegetal). Eaí a vida é (se) completa na face da Terra. É nesse esquema que o povo bantu-congo tem como bases os seus ensinamentos, e acreditam que nada na Terra foge dessa base, desse esquema. Biologicamente, nós somos concebidos na etapa 1, nascemos na etapa 2 , amadurecemos na etapa 3 e morremos na etapa 4. E esse processo continua através do Universo. E eles explicam porque a lua é nua para eles. A lua está nua nessa etapa, sem vida nenhuma, porque ela está na etapa 2. Nesse processo nós vamos também descobrir o que é a vida. Todos os ensinamentos seguem o mesmo esquema. O povo bantu, devido o ensinamento nessas quatro partes (etapas), tem um tempo que nós temos que entender a origem da vida, como a vida na Terra é concebida, e o que é o nascimento. O que é também ser maduro e um líder, e o que é morrer. Para os bantu, a morte não é o fim, porque a morte é um processo como qualquer outro processo, e porque é um processo eles veem como música. Nós nascemos sob música e morremos sob música, porque dentro de nós temos uma percussão que é o coração. Então os instrumentos que fazemos fora de nós são iguais, e é por isso que é importante para qualquer pessoa envolvida com capoeira. Para entender o conceito da música dentro da capoeira, esse candidato tem que entender que a música é o seu coração biológico. Vou tentar explicar isso com os slides. Para os bantu, especialmente os congo, viver é um processo emocional, de movimento. Viver é movimentar, e movimentar é aprender. Você avança, você se movimenta para trás, você se movimenta prá esquerda e você se movimenta para a direita, e essas são as quatro direções. Mas, tem mais três. Temos que aprender a se movimentar para cima, temos que movimentar para baixo. São as seis direções. Um candidato à capoeira deve descobrir a sétima direção. E essa direção é muito importante. Temos que entender que dançar e se movimentar é se movimentar dentro de um ovo. O capoeirista se movimentando tenta quebrar essa casca de ovo. O capoeirista (candidato a capoeira) é como um pintinho dentro do ovo, tentando quebrar a casca. Ele tenta bater prá cirna, bater prá esquerda, bater prá direita, bater pra frente, bater pra trás, bater pra baixo, mas a coisa mais importante é bater pra dentro (por dentro). É por isso que o capoeirista quando jogando, não pode perder o centro. É por isso que na vida temos que também ter essa consciência de não perder o centro para ter saúde e riqueza. O Movimento na vida é muito importante, e temos que descobrir o valor da vida Se você prestar atenção aqui, você tem um centro e temos essas direções. E eu falei que se movimentar é aprender. Os movimentos que você faz na capoeira é um movimento, e não é limitado a aula que você está aprendendo (no caso, aprendendo capoeira). É parte da sua própria vida. Você tem que conhecer pessoa fora. Você precisa encontrar (conhecer) as pessoas vivas e as pessoas mortas. Esse conceito não é muito conhecido no Ocidente, e por isso que o Ocidente não entendeu muito bem a cultura africana. Nós aprendemos mais com os mortos do que com os vivos. Isto é muito comum dentro do povo africano. Isto é ilustrado na maneira como os africanos respeitam os mortos. E é verdade também... mas eles não enxergam, não percebem nessa (ordem). Se você for em qualquer livraria, você vai ver mais livros escritos por mortos do que escritos por vivos. E os bantu falam: nós escutamos e aprendemos mais dos mortos. É por isso que os bantu falam: escutem mais os mortos que os vivos, porque os mortos se tornaram pedras, e os vivos são capim. Eles podem ser facilmente pisados, enquanto os mortos, que são pedras, não podem ser destruídos tão facilmente. Então isso aí é muito importante na nossa vida quando descobrimos a.....

Daniel Dawson: Alô. Eu acho que muitos de vocês já viram a apresentação de Dr. Fu-Kiau antes, mas certamente vocês podem ouvir isso novamente. Dr. Fu-Kiau é importante como pesquisador, como estudioso, e como um líder de tradição. Ele tem duas formações: uma formação em sistemas tradicionais africanos, tais como LEMBA, e várias outras. Ele também foi educado da forma ocidental. Ele é um doutor em Educação, e tem vários mestrados. Atualmente é o diretor do serviço de biblioteca numa prisão de Boston (USA), onde ele ensina cursos sobre cultura africana. Ele também foi um dos primeiros africanos a abrir um instituto dedicado à cultura africana, e muitos dos mais importantes estudiosos, como Robert F. Tompson..........aprenderam suas informações vindas dele. Pelo fato do Instituto dele ser dedicado ao registro e a discussão da cultura africana, ele é uma enciclopédia dessa cultura Nós deveríamos nos beneficiar de algum dos conhecimentos dele, hoje. Muito deste conhecimento vem do Instituto Lemba. Lemba foi importante em todas as Américas. É importante também no Candomblé de Angola porque existe um nkisi chamado Lemba; é importante no Haiti porque uma parte do seu vodum é chamado vodum Lemba; é importante também em Cuba. Então Lemba é uma das instituições mais importantes, e vocês vão poder ter contato com isso, porque não só ele é uma pessoa iniciada em Lemba, mas ele tem um estudo ocidental dedicado a isso, e tem o processo iniciatório. Também serão beneficiados pela tradução de Eneida. Dr. Fu-Kiau.

Dr. FU-KIAU: É um grande prazer prá mim estar aqui. Esta é a segunda vez, segundo dia que eu experiencio algo que me faz chorar. A primeira vez eu fui para uma celebração, e nessa particular celebração eu ouvi canções que não eram em português, mas canções que eram na minha língua. E aqui novamente, eu ouvi algumas canções, não em português, não em inglês, nenhuma outra língua européia, mas em minha língua e em iorubá. E uma dessas canções fez o meu coração bater tão rápido. Essa música era KALUUNGA KULUMUKA. Kalunga é uma palavra chave na religião congo. A palavra significa o oceano; também significa imensidão; significa também a energia maior que existe. É também a palavra que significa Deus. Então pra mim ouvir Kalunga Kulumuka, todo o meu corpo mudou. Eu vi os céus descendo entre nós. É uma pena que muitos não tenham essa mesma experiência em particular que eu tive. A segunda canção, foi a canção na qual os cantores estavam tentando enviar suas lágrimas como uma chuva, ao contrário do que acontece conosco quando ela vem dos céus. E depois dessas duas canções, eu disse pra mim, dentro de mim: "se eu tiver algum poder de falar aqui, talvez fosse apenas o fato de eu sentar e ouvir mais. Mas porque me foi pedido prá falar, eu tenho que dizer algumas coisas.

O Brasil, na minha experiência é o meu país. Porque, em qualquer outro lugar que eu for agora, eu vejo as pessoas retomando prá casa. Mesmo aqui, as canções, os tambores... da mesma forma que são tocados e cantados de volta na minha casa. Uma terceira canção que eu mencionaria aqui, que foi a canção... e nessa canção tem algumas palavras, na verdade são duas palavras, e essa canção foi NGOMA MALEMBE, que significa: "tambores toquem devagar, não nos acelere, não nos façam andar- rápido. Nós não vamos compreender suas vibrações". Essas são coisas profundas prá mim.

Eu tenho muito orgulho de ter sido permitido de visitar o Brasil, e eu agradeço a esta senhora chamada SIMBI VALDINA e Mestre Cobrinha. Sem eles eu não poderia estar aqui. Eles são as portas para que eu possa estar aqui. Nós estamos vivendo um tempo diferente agora. Por quatro ou cinco centenas de séculos nós estivemos separados. Nada nos separa agora: nem o oceano, nem a terra, nem inesmo as línguas. Nós somos um, hoje. E pelo fato de termos nós tornado um, nós temos que aprender uns dos outros. Eu vim aprender de vocês, e eu espero que vocês venham aprender de nós. O mundo tornou-se uma única vila (aldeia), uma vila global. E nessa vila, nós teremos as tendas (as barracas) dentro das quais teremos irmãos de sangue, pessoas brancas, pessoas amarelas, pessoas vermelhas e talvez pessoas verdes e amarelas [talvez em referência às cores das bandeirolas verdes e amarelas que decoram o Terreiro Catendê]... a gente ainda não sabe (Risos), porque o universo está se expandindo. Há apenas algumas semanas atrás um homem enviou uma máquina que aterrissou em Marte, e a gente sabe que as máquinas continuarão a ser enviadas para mais outros lugares, e que provavelmente nós encontraremos seres vivos nesses outros planetas. E esses seres também serão aceitos nessa vila global. Nós vamos aprender suas línguas e eles vão aprender as nossas línguas, mas primeiro precisamos encontrar o nosso círculo, a nossa fonte, como a nossa casa Na sua casa você está seguro e você está protegido. Sem o seu próprio centro, sem a sua casa, você não pode está seguro. Você vai estar sempre com medo em qualquer lugar que você esteja. Lá fora, e mesmo dentro do prédio mais bonito. Se você não tem o seu centro dentro desse edifício, você não vai estar seguro. É importante para nós, povo africano, descobrir as nossas próprias raízes. Essas raízes, não necessariamente têm que ser encontradas na África. Existem muitas coisa que estão neste momento faltando na África, da mesma forma que muitas coisas estão faltando no Novo Mundo, pelo lato de que houve um tempo em que muitos Estados na África foram destruídos pelo tráfico de escravos. A maioria dos maiores mestres que existiam realmente naqueles países foram aniquilados. Eles foram capturados e transformados em escravos. Muitos poucos dentre eles chegaram a alcançar o Mundo Novo, e muitos morreram nessa travessia do oceano; e como tal, muitos conhecimentos da África foram tomados, levados da África. É por isso que nós precisamos nos reunir, porque uma parte desse conhecimento var ser encontrado no Mundo Novo [a imagem do caleidoscópio: pedaços que se espalham formando novas configurações se, contudo, perder- o colorido, ou a beleza], e uma outra parte será encontrada no Mundo Antigo, na África. Eu escutei muitas palavras nesse país, que são canções que não existem mais na África hoje, e que nós sabemos que são canções Lemba. E eu sei que são canções Lemba porque eu sou um iniciado Lemba. Quando eu era jovem eu não conhecia essas canções, mas quando eu fui iniciado eu aprendi essas canções. E quando eu cheguei no Mundo Novo, eu encontrei essas mesmas canções, e as palavras chaves mais importantes nos ensinamentos da África, são encontradas aqui também. A minha conversa com vocês vai abarcar muitas coisas, e urna delas será a visão de mundo do bantu; como é que o bantu vê o seu mundo. É muito importante você compreender esse mundo bantu. A palavra bantu foi introduzida no Mundo Novo através de estudos antropológicos, e como tal esta palavra é mal-compreendida. BANTU significa, em primeiro lugar, pessoa. E esse é o plural. O singular disto é MUNIU. Então o bantu, ele não é aperras encontrado na África Eu sou um MUNTU, e vocês todos são bantu. Existe um ditado, quando os homens brancos entraram na África, na área bantu, em todos os lugares ouviam estas palavras: muntu e bantu. Aí o homem branco disse: ah! eles são bantu. E quando os homens bantu descobriram que os homens brancos estavam chamando eles de bantu, eles ficaram surpreendidos e disseram: Bom, se nós somos bantu, então vocês não são bantu. Então nós podemos lhes colocar em qualquer categoria que nós quisermos. Em animais, em árvores, em pássaros, ou até mesmo vocês podem ser uma terra Mesmo assim esse erro foi cometido e a gente não consegue corrigir isso hoje. Mas nós fazemos, precisamos descobrir o centro de nós. E nós podemos ir a qualquer lugar se nós protegemos o nosso centro. Nos tornamos hoje em dia mais doentes porquê estamos perdendo o nosso centro, porquê geralmente as pessoas fora se sentem desprotegidas. Sentem medo quando saem de casa, e protegidas quando estão dentro de casa. Seu poder interior é a chave da sua extensão fora. Nós não podemos ter medo se acaso a capoeira está se expandindo, tão longe, enquanto estiver ligado ao centro.

Mestre Acordeon: Muito obrigado Dr. Fu-Kiau, é uma analogia muito bonita. Acredito que a música é: ai ai Aidê

FIM DO LADO A

FITA 3 : LADO A

* Palestra do Dr. FU-KIAU no Terreiro Catendê. Festa de TEEMPO Salvador, 17/08/97

Macota Valdina Pinto: ... é da cultura bantu, e dar à ela o lugar que ela merece , ao lado da cultura iorubá e da cultura ewê-ewê fon. Entre nós, a cultura tem sido deixada, tem sido transmitida através da oralidade, quando nós nos iniciamos num terreiro. E nós aprendemos com os mais velhos, através dos exemplos, através das repetições, através da participação, traços de culturas tradicionais. O jeito como nós fazemos aqui no Brasil, pode estar distante da África tradicional, mas é o que nos liga e o que nos dá identidade africana, é o que nos é passado através da religião. Então, uma língua africana que foi impedida de se falar, o nome, que dá identidade a um ser humano, e que também foi proibido de se ter, nós resgatamos no candomblé. Então, o candomblé é muito mais do que uma religião pra nós. O candomblé é o espaço onde a gente afirma, onde a gente resgata uma identidade que nos foi tirada. Eu acho que é muito mais... não sei se Mutá, mas muito mais nós estamos aqui hoje prá aprender com nganga Fu-Kiau. Pra mim representa minha ancestralidade aqui presente, e eu estou aqui mais para beber as palavras de Fu-Kiau.

FITA 1 : LADO B

Dr. FU-KIAU: Se você encontrar um ainigo que você não viu há dez anos, o que você faz? Dá uni abraço. Essa aí é a chave da vida. Quando nós encontramos amigos forníamos um V(<), para cumprimentá-lo. Isso significa que a pessoa que você vai encontrar também vai formar um V(>). Então as duas juntas formam um diamante ( <> ). Cada um leva a sua energia paia o centro do diamante, e se tornam um. Hoje a América não é mais só. Tampouco a África. Nos tornamos um, porque nós nos encontramos. Ou pela comida que nós comemos; ou então viajando; ou nos livros que lemos da África e da América; ou porque nos encontramos numa festa... nos tornamos Um. Esta forma (formato), na vida, é a chave principal para a vida e para viver. Temos que tentar viver para formarmos esta forma de diamante. Se podemos tentar proteger esta forma na nossa vida, teremos a capacidade para criar, para formar uma família forte, porque isto aqui é a chave de qualquer casamento. Quem entende essa forma vai conhecer a formação da sociedade africana. Dentro dessa forma temos dois "i" (a letra i). Um i é fêmea e o outro i é macho. Esses dois formam um casamento. Esses dois i criam o nascimento para outros i. Quando um i é nascido desses dois i, temos que ter muito cuidado. Não imporia o que aconteceu, não leva a sua briga para esse terceiro i, porque a vida desse terceiro i depende dos dois primeiros. É importante, como estudantes de capoeira para entender verdadeiramente que um capoeirista é um ser humano dentro de um ovo. Temos que saber como se movimentar. Então não teremos que usar um martelo para quebrar a casca, porque você é poderoso. Você pode não saber disso, mas o poder tá dentro de você. Como capoeirista, pode destruir facilmente se usado de maneira errada. Mas, o poder dentro de você, como capoeirista, se usado de maneira apropriada, você pode construir muito mais do que você acha. Precisamos dessa energia hoje para poder construir uma nova aldeia, uma aldeia global, aonde todo mundo vai (boiar), cada um dentro do seu próprio ovo, sem quebrá-lo, por outros ... (Inaudível) a menos que nós queiramos. Como eu disse, esta foi uma palestra breve... falei demais? Se for o caso eu paro aqui. Se tiverem alguma pergunta, podemos respondê-la aqui ou fora. Muito obrigado. .APLAUSOS.

Cobrinha: O Daniel vai apresentar o Dr. Fu-Kiau.

Daniel Dawlson: O Dr. Fu-Kiau é um tipo raio de estudioso. Ele nasceu em Manianga, Zaire, hoje República do Congo. É um local muito importante para as tradições do Congo. Dr. Fu-Kiau também tem duas educações. Ele tem o doutorado numa universidade ocidental, mas também ele foi educado nos ensinamentos tradicionais africanos. Ele foi iniciado em três academias diferentes, na África. Um que um dos mais importantes capoeiristas cantou sobre. O nome desse local é Lemba. É um local muito importante na África para o conhecimento tradicional. Muito desse material (ensinamentos) que nós vemos agora vem desse... Lemba. Ensinamento Lemba. Ele foi também um dos primeiros africanos a abrir um instituto na África, em 1963, para coletar informações sobre culturas tradicionais na África. Foi a primeira instituição criada por um africano. Muitos destes estudiosos jovens, aprendem destas instituições...

Cobrinha: Muitos destes estudiosos jovens aprenderam sobre cultura tradicional através deste instituto, desse material coletado.

Daniel Dawlson: Ele escreveu seis livros. Ele é considerado escritor predominante sobre a cultura congo. Obrigado.

DEBATE

Mestre Acordeon: Em primeiro lugar, parabéns Dr. Fu-Kiau, aprendi bastante. Obrigado pela palestra, nós temos sempre que aprender, mas eu gostaria de fazer também alguns comentários. Quero pedir a permissão dele, com todo respeito que faço, não somente por ele, pela palestra dele, como também pelo conhecimento que ele tem. Eu tenho morado nos Estados Unidos por 18 anos, e tenho a oportunidade de intervir de alguma forma como nós apresentamos, nós estudamos alguns desses aspectos que se relaciona com a nossa cultura. No específico da capoeira, durante esse tempo nos Estados Unidos, eu recolhi muitas teses de doutorado, de mestrado... eu tenho examinado por algum tempo, e naturalmente capoeira é importante, porque é uma arte africana em essência, e interessa a muita gente, mas eu tenho dificuldades em alguns aspectos. A capoeira tem uma história longa no Brasil, não somente através da tradição oral como também através de registros escritos. Eu tenho examinado que existe uma tendência, nos Estados Unidos, dessas teses, desses trabalhos destes estudiosos, de se classificar a capoeira dentro de uma perspectiva que não leva em consideração essa trajetória histórica da capoeira no Brasil. A maioria desses trabalhos, dessas pessoas, que escrevem, que falam, que estudam capoeira, não conhecem suficientemente da língua portuguesa para examinar essa literatura que nós temos, nem a nossa história. Então o pessoal se baseia dentro da literatura, em inglês, sobre artes africanas, sobre história africana, sobre rituais africanos. Eu acredito que o estudo desta literatura sobre temas africanos, sobre as artes africanas, filosofia e tudo o mais, é de fundamental importância para nós entendermos a... brasileira, para nós entendermos a nossa herança cultural africana, mas na verdade, estes estudos não explicam... Através de a capoeira se apresentou de forma diferente, e foi uma questão de sobrevivência da capoeira (>>>>) Então eu pergunto: quanto válido é se aplicar o modelo africano que nós levantamos através do estudo, da literatura e do material desta ...sobre capoeira que é uma arte essencialmente africana, em termos de elementos foimativos, mas que através do tempo mudou tanto, se apresentou com tanta roupagem, se nós já reconhecemos, já registramos, existe, está na literatura, só que não é disponível para (inaudível). Então eu perguntei pro Dr. Fu-Kiau qual é a validade de se aplicar genérico de uma arte, de forma tão mutável, porquê a meu ver é (me esqueci do termo em português...) um erro metodológico de pesquisas, de trabalhos em termos de estudos antropológicos, em termos de deduções analíticas...

Dr. Fu-Kiau: Sua questão é muito importante. É uma semente viva que você tá jogando aí. É muito difícil responder esta pergunta, só se Makindê estivesse aqui... o que é uma coisa muito difícil... Mas eu vou tentar responder o que pode fazer parte da minha resposta Porque minha resposta não vai ter só uma parte, não vai se resumir em uma parte só. Alguém aqui está com seu filho ou filha aqui? (....) Isto aí é muito importante, isto aí é que é uma das coisas que eu encontrei em toda a minha vida nos Estados Unidos. Na África, nenhum ensinamento vai ocorrer sem a presença das crianças, porque as crianças são nosso futuro.(....) Esta aí é Vera, e Vera é parte de Gabriel. Gabriel não pode ser sem Vera. Ela até que poderia ter tido este filho com um homem que não visse mais. Talvez o pai não fosse nem reconhecer o filho. Mas este homem, não importa aonde ele esteja, este homem tem uma ligação com Gabriel. Ele aceite esta ligação ou não, ele é parte de Gabriel. Como tal, ele é ligado a Vera. Gabriel não será uma semente inteira dentro da comunidade, sem estas duas forças, estes dois V's, protegendo Gabriel. Eles podem ser separados, mas eles têm as responsabilidades para proteger Gabriel. Este aí é o processo de passar o conhecimento. Temos que reconhecer a fonte, porque todas as fontes são sementes, e todas as sementes podem se tornar árvores. Não importa como são os galhos. Estes galhos têm que ser alimentados pelas raízes do tronco, porque eles são parte desta semente. Essas galhos podem ser grandes e bonitos.


Os Arcos Musicais


Em várias partes do continente africano, a cabaça é considerada como um dos instrumentos musicais mais antigos. 

Dizem que os instrumentos de sopro representam nossa mente, os percussivos, os membros e os de corda, o coração. Entretanto, na África, existe um quarto tipo de instrumento, os instrumentos corporais ou naturais, que representam o corpo inteiro. Assim são os arcos musicais ... 
Uma cabaça, um pedaço de arame e um pedaço de pau. Tão simples assim são os arcos musicais. De uns tempos pra cá venho me encantando profundamente por estes seres sonoros. Tanto por sua ressonância marcante e vibrante, que mexe lá no fundo da alma, quanto por suas conexões com a essência/resistência da força feminina no mundo. 
Foi através do mestre Cobra Mansa que vim a conhecer um pouco mais sobre. Quando ele mostrou um video de Madosini Mpahleni tocando seu "Umrhubhe" com a cabaça bem perto do coração, em um encontro de arcos musicais na África do Sul,  eu senti que nunca tinha visto um instrumento como aquele, que parecia que tinha sido feito pro corpo da mulher tocar. 
A Mestra Xhosa Madosini e seu Umrhubhe
Cobra Mansa e Madosini na África do Sul
Na África, dentre os tantos nomes e formas que recebe, estão os arcos chamados "mungongo" (da África Central), o "hungu" e o "m´bulumbumba" (de Angola), os "Ugubhu" e o "Uhadi" (África do Sul), entre outros. 
Madosini, uma mulher amagaba da tribo vermelho, Xhosa, diz que "os arcos musicais foram uma revelação de Deus para fazerem as pessoas se sentirem mais felizes. Os Umrhubhe (arcos musicais) são um instrumento feito para mulheres. As garotas AmaXhosa crescem fazendo som, antes elas não iam à escola. Sua escola eram o arcos musicais". Madosini diz que "Os arcos não concordavam em serem seguidos por muitas pessoas já que eles tinham voz tranquila, mas podiam ser tocados junto com outros instrumentos" (...) Uma mulher analfabeta, que nunca frequentou a escola, durante a entrevista Madosini aponta para seu  Umrhubhe e diz "Eu frequentei essa escola aqui. Foi esse arco que me ensinou sobre a vida. Esse era o nosso divertimento. Ensinava boas maneiras para as pessoas, te dizia "É assim que você deve segurar seu arco Umrhubhe quando você se encontra com uma pessoa mais velha: Molo Tata, Molo Mama (Ei Pai, Ei Mãe). Não ignorar quando seu pai ou sua mãe estiverem por perto". "Eu mesma fiz este Umrhubhe. Eu mesma cortei essa madeira."
Em sua tese/pesquisa chamada "Entre Gungas e Kalungas", o angolano Aristóteles Kandimba afirma que "existe um fato que goza certa autoridade, sendo que quando se pesquisa o berimbau africano, seja ele de que nome, origem ou tamanho for: é impossível ignorar que o gênero feminino desempenha um papel extremamente considerável em relação aos arcos musicais". Segue seu texto dizendo que "a mulher africana, apesar de viver em constante normas estritas e rigorosas, entre elas as responsabilidades matriarcais, no último centenário foi a que mais fortificou a presença e a popularização do berimbau africano para a platéia continental e internacional".
Foi então que tomei conhecimento de que o que senti intuitivamente quando ouvi Madosini tocando seu arco era certeiro: os "arcos musicais são uma parte integral da contemplação feminina da poética emocional das relações entre indivíduos, sociedade, estado". 
O arco musical era comumente usado para adivinhações. "Nosinothi Dumiso adoeceu e ficou cega de um olho. Isso foi interpretado como uma chamada dos ancestrais para ela se tornar uma adivinha (thwasa). O jeito que ela encontrou de se tornar uma médium foi começar a tocar o "uhdi" (arco musical). 
A. Kandimba (professor Totti Angola) em seu texto "Entre Gungas e Kalungas: A ancestralidade do Berimbau" diz que "através do som melódico e hipnotizante do instrumento de uma corda só, orgulhosamente canta-se cantigas de centenas de anos atrás, transmitidas pelos seus antepassados. Canções que contam estórias das glórias dos seus povos, sobre a felicidade, a tristeza, o amor, o ódio, a paixão, a traição, casamento e cantigas infantis. Não somente a mulher é tradicionalmente considerada a base da família, mas também compõe, canta e constrói os próprios instrumentos que toca."
Assim, os arcos musicais vieram da África para o Brasil. Aqui, casou-se com o caxixi e transformou-se em berimbau.  
Celebrando o mês da mulher, inspirada pelo movimento essencial de capoeira angola que finalmente está rolando entre Ouro Preto e Mariana, aqui venho oferecer esse texto a todas as mulheres capoeiristas do mundo. 
Que possamos cada vez mais conhecer e nos aprofundarmos na matriz de nossas manifestações culturais. Que nos inspiremos cada vez mais a tocar o berimbau com consciência de sua força verdadeira. 
Que nos inspire a cuidar cada vez mais dessa nossa herança, é ancestralidade que vem sendo transmitida pela humanidade e é medicina pra todos nós.


           
  

  H U N G U

            

FONTES:
http://www.afribeat.com/education/music/easterncape/easterncape.htm
http://kandimbafilms.blogspot.com.br/
A capoeira e o frevo:

Capoeira & Frevo
Alguma vez já passou por sua cabeça que o frevo e a capoeira têm alguma coisa em comum?
O frevo nasceu entre o final do século XIX e início do século XX, em Recife e Olinda (Pernambuco), época em que a capoeira foi proibida na região, vista como uma prática marginal, como mostra o recorte de uma publicação da época do Diário de Pernambuco (edição de 15 de dezembro de 1864), em que se transcreve um ofício do coronel comandante das armas:
"Pelo reprovado costume adotado pelos escravos nesta cidade, de acompanharem as músicas militares, dando a uma ou a outra vivas e morras, apareceram desagradáveis conflitos e isto há muito. Ontem, o partidista de uma dessas músicas - Melquíades - preto, escravo, deu, no meio dos gritos de um e outro lado, uma facada no pardo, também escravo Elias, dizendo-se ser o ofensor partidista de uma das músicas e ofensor de outra." 
De origem afrobrasileira, como não poderia deixar de ser, essa riquíssima manifestação surgiu do encontro da música com a dança nas comemorações carnavalescas. Era antes um ritmo musical, fusão entre maxixes, dobrados e as clássicas marchinhas. Era quente, botava o povo para ferver, "frever":
"Efervecência, agitação, confusão, rebuliço; apertão nas reuniões de grande massa popular no seu vai-e-vem em direções opostas como pelo Carnaval" (recorte do livro "Vocabulário Pernambucano", de Pereira da Costa) 


Vocabulário Pernambucano
Pedro Abib, em seu texto "Festa, Capoeira, Frevo e Samba" diz que: "O frevo, que ao que tudo indica, surgiu a partir dos blocos carnavalescos do Recife e Olinda, no início do século XX, onde a rivalidade entre essas agremiações, fazia com que houvesse o enfrentamento entre elas, quando os caminhos se cruzavam durante a festa. Por isso, a necessidade de haver valentões dispostos a esses enfrentamentos – geralmente capoeiristas, que iam à frente desses cordões e, ao som das orquestras de metais e percussão, evoluíam com seus passos ágeis e coreografias bem desenhadas, dando origem à essa dança tão popular no carnaval de Recife e Olinda."
Durante os desfiles de carnaval, era costume que capoeiristas abrissem o caminho para que a bandinha instrumental passasse entre os foliões. Daí que vários golpes de capoeira foram incorporados na dança, que é uma das mais complexas que tenho notícias no Brasil, e possui mais de cem passos, sendo necessário bastante condicionamento físico e habilidade para ser executada. Os mais conhecidos destes Rabo de Arraia, Locomotiva, Dobradiça, Fogareiro, Capoeira, Tesoura, Mola, Ferrolho e Parafuso.
Outro elemento estético do atual frevo que teve sua origem na capoeiragem, foram as sombrinhas que outrora eram velhos guarda-chuvas rasgados, usados pelos capoeiristas como arma de ataque e defesa, já que a prática da capoeira estava proibida. Com o passar do tempo, os guarda.chuvas foram se transformando em pequenas sombrinhas coloridas.
Junior Viegas, professor no Paço do Frevo e da Escola Municipal de Frevo Maestro Fernando Borges, conta em entrevista realizada pelo "Diário de Pernambuco" que "o início do frevo se confunde com o uso das sombrinhas, antes usadas em tamanho natural durante as evoluções. A sombrinha começou a ser usada pelos 'capoeiras', homens que acompanhavam as saídas das bandas militares no carnaval do Recife no fim do século 19. Esses objetos eram usados como arma de ataque e defesa e o frevo, como dança, surgiu a partir desses homens pobres e taxados de violentos. Os foliões começaram a imitar os movimentos dos capoeiras, que abriam caminho para as bandas e enganavam a polícia com seus passos. Dessa forma, surgiram os princípios do frevo”.
Hoje em dia o frevo é considerado Patrimônio Imaterial da Humanidade, pela Unesco, tornou-se símbolo da folia pernambucana. 
Mas é muito importante olharmos para suas origens para perceber que nem sempre foi uma dança de pessoas com roupas brilhantes e sombrinhas coloridas. Sua origem foi liminar. Foi resistência e necessidade de extravasar uma vida de exclusão e marginalidade do povo negro, do povo da capoeira.
Capoeira é dança, é luta, é arma de empoderamento e resistência. Sua história se desenhou pelo Brasil afora, contribuindo para transformação e a construção da identidade de cada região do país.
Ainda hoje existem rodas de capoeira e frevo em Pernambuco, um dos estados mais importantes para a capoeiragem brasileira.

O que tocar a gente freva!
            

FONTES:

http://portalcapoeira.com/capoeira/cronicas-da-capoeiragem/festa-capoeira-frevo-e-samba
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2014/11/26/internas_viver,545255/capoeira-se-une-ao-frevo-e-agora-tambem-e-patrimonio-cultural-imaterial-da-humanidade.shtml
http://centroculturaldecapoeiracorpolivre.blogspot.com.br/2014/02/a-relacao-do-frevo-com-capoeira_28.html
http://canalcurta.tv.br/pt/filme/?name=frevo_e_capoeira
http://www.infoescola.com/danca/frevo/
http://portalcapoeira.com/capoeira/publicacoes-e-artigos/capoeira-a-frevo-savate-e-mestre-artur-emidio
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&id=442



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