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Tradições afro-musicais do Brasil e Marrocos Gnaoua

Escrevi essa matéria em janeiro de 2013 para a  revista eletrônica "Cultura em Revista":
 
 

Para que um sonho se transforme em realidade, o primeiro que temos que fazer é acordar, assim diz o dito. Posso dizer que recentemente um antigo sonho se transformou em realidade, mas até ver tudo acontecendo no mundo real, tive que virar noites mergulhada em trabalho e, principalmente, tive que encontrar com pessoas dispostas a sonhar junto comigo.
 A primeira vez que fui ao Marrocos foi há mais de cinco anos atrás. Fui guiada pelo desejo de me aprofundar no universo musical dos “Gnaoua”, um grupo étnico-cultural descendente de escravos vindos da África subhariana para trabalhar nas construções e no exército durante um Império Almohade. Uma história muito parecida com a dos africanos traduzidos para trabalhar no Brasil nas plantações de cana-de-açúcar, de tabaco, construções, marinha, nas minas de ouro e nos trabalhos domésticos. Vieram de muitos cantos e trouxeram consigo uma infinidade de línguas, comidas, mandingas, cantos e crenças.
 Foi a partir dessas similaridades geradas da diáspora africana do Brasil negro e do Marrocos Gnaoua que começamos, com a amiga artista Ana Maria Fonseca, a bolar um projeto musical que conectasse esses dois países já conectados geograficamente pelas águas do Oceano Atlântico.
Assim, nascia o Projeto “Tradições Afro-Musicais do Brasil e Marrocos Gnaoua”. Eu daqui do Brasil e Ana Maria de lá de Essaouira, uma pequena cidade da costa marroquina com grande importância histórica, por se tratar de um porto. Era em Essaouira que chegavam muitas caravanas e embarcações trazendo mundos de escravos e toda a sorte de coisas, que logo se escoariam por todo o país.
A partir da primeira ideia, que era criar uma residência artística com a finalidade de intercambiar música afro-brasileira e música marroquina, escrevi um projeto e apresentei para o Programa Música Minas, que me contemplou com passagens aéreas de ida e volta para o Marrocos.
Desde outubro de 2012, este projeto desenvolveu oficinas de ritmos afro-brasileiros no Espaço Municipal de Essaouira, Bastion Bab Marraquech. Nestas oficinas, que foram gratuitas e abertas ao público, Ana Maria iniciou os participantes em alguns ritmos brasileiros (como o Maracatu e o Congado).
Em dezembro, realizei a grande viagem à Essaouira e pude facilitar vivências intensivas entre ritmos brasileiros e marroquinos, ministrando oficinas de ritmos afro-brasileiros e recebendo oficinas de música gnaoua dos músicos marroquinos Aziz, Halid, Limini e Furat. Durante os processos de trocas musicais das oficinas foi-se afinando a harmonia entre os participantes a fim de realizar um cortejo pelas ruas da Medina antiga e preparar o repertório musical para o espetáculo “Lila Xirê”, resultado da fusão da música brasileira com a tradição gnaoua.
As oficinas foram realizadas gratuitamente e abertas para todos da comunidade que desejassem descobrir mais sobre a história da Confraria Gnaoua e da música afro-brasileira, suas nuances, danças e ritmos.
Causando impacto artístico positivo entre pessoas da comunidade e visitantes estrangeiros, o projeto conseguiu alcançar todos os seus principais objetivos, propiciando trocas e partilhas musicais, gerando uma rede transcultural através da música e abrindo espaços diversos para futuros intercâmbios e pontes musicais entre ambas as culturas.
Pode-se dizer, dessa maneira, que o projeto ainda não terminou, ao contrário, apenas começou. Inshallah.
As pontes culturais e artísticas que se abriram continuam abertas e o público pede bis. Tudo uma questão de acreditar nos sonhos e acordar.
Monica Elias (Mo Maiê)

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