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Kalunga

 
Kalunga do Maracatu Estrela Brilhante de Igarassú


Matamba (Maracatu)

Lua, luanda, me enluarou
Quando Oyá Matamba por aqui passou
Bola de fogo lumiava o ar, 
a força do vento balançava o mar

Dentro do universo artístico/cultural/espiritual em que vive o maracatu, existe um objeto mágico chamado Kalunga, que tem o poder de conexão do plano dos vivos com o plano dos mortos. Assim, resguarda em seus axés e benguês a memória dos Eguns (espíritos dos mortos), dos ancestrais daqueles que fazem parte de uma nação de Maracatu, trazendo força e proteção ao grupo e a cada um como indivíduo e suas famílias. 

Para Mário de Andrade, a origem da palavra Maracatu é indígena: maracá=instrumento ameríndio de percussão; catu=bom, bonito em tupi; marã=guerra, confusão. 

Marãcàtú, e depois maràcàtú valendo como guerra bonita, isto é, o simbolismo da festa e da guerra, juntos e misturados. 

Nas línguas de origem bantu, a palavra Kalunga também quer dizer Oceano. 

Para os afrikanos o oceano era o mundo desconhecido e inexplorado, o mundo da morte, a senda proibida, as infinitas possibilidades. Quando os brancos europeus chegaram em Áfrika pelo Mar, alguns antepassados pensaram que o Branco era a Morte.e como, de fato, foi o que aconteceu: a Morte, as doenças, escravizações, explorações econômicas, políticas, espirituais.

Reverência e respeito a todo o sofrimento e sangue que foi derramado para Nós podermos ter chegado até aqui hoje e tentar fazer diferente. 

Em honra à Kalunga são cantadas as primeiras toadas e loas – louvações em forma de versos improvisados quando se toca os baques. 

Presente em todos os maracatus, a boneca encantada passa por um ritual de iniciação, no qual é batizada com rezas, defumadores e adornada com esmero.

“A boneca seria a representação de uma divindade dos povos do Congo e de Angola, ou seria ela própria uma divindade ou, ainda, um objeto que dá força e proteção por causa da consagração recebida", contextualiza o pesquisador Roberto Benjamim. Seguindo a tradição dos cortejos de nações africanas, a boneca é vestida como a baiana de sua guarda, uma importante personagem do maracatu conhecida como dama-do-paço. 
Em homenagem a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, sempre que o séquito passa diante de uma igreja, a Calunga é entregue à rainha. Em seguida, passa de mão em mão até retornar aos braços de sua condutora e guardiã, a dama-do-paço. Na elegância dos cortejos do baque virado ou em meio aos canaviais do baque solto, a Calunga figura uma forma de comunicação entre homens e deuses, e como num silencioso milagre emana encanto e espalha celebração.

Em sua honra são cantadas, ainda dentro da sede, as primeiras loas, quando a Calunga é retirada do altar pela dama-do- paço e passa às mãos da rainha, que a entrega à baiana mais próxima e assim se sucede, de mão em mão até retornar novamente às mãos da soberana. 

No Maracatu Elefante, pesquisado entre 1949-52 pelo musicólogo Guerra Peixe, três Kalungas se destacavam: Dona Emília, Dom Luís e Dona Leopoldina

Para a Kalunga "Dona Emília" eram dedicadas as maiores atenções. A ela era entoada a primeira toada, referida acima, na cerimônia também denominada de "a dança da boneca". A ela também eram consagrados os cânticos mais fortes: é essa principal boneca levada à porta da igreja de Nossa Senhora do Rosário; com ela o Maracatu Elefante dança diante dos terreiros (Xangôs) visitados. É nas canções oferecidas a Dona Emília que os músicos executam o ritmo de Luanda - o toque "para salvar os mortos" ou eguns 

"Dom Luís", segundo Guerra Peixe, representa "um rei afrikano", sendo por isso considerado como "Rei do Congo" pelos membros do grupo, bem de acordo com a interpretação recente de Alberto da Costa e Silva (op. cit.); numa clara referência aos primórdios do folguedo, coincidindo com a crença de que os poderes da Kalunga estariam ligados aos seus Ancestrais Afrikanos, como bem enfoca esta loa: 

"A bandêra é brasilêra/ 
Nosso reis veio de Luanda / 
Ôi, viva Dona Emília / 
Princesa Pernambucana". 


                                       
 



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